São Paulo, sexta-feira, 16 de setembro de 1994
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Parar ou produzir?

JOSÉ SARNEY

A greve foi sem dúvida o grande instrumento de resistência e transformação que empurrou a Revolução Industrial para um caminho de justiça social. A exploração do trabalho não tinha limites. O selvagem sistema de produção do século 19 era o fruto de uma equação na qual os direitos do trabalhador não existiam. O seu instrumento de combate foi a parada, a imposição de perdas ao proprietário.
Nos primórdios do século 20, com a tentativa de solucionar os problemas da humanidade pela ideologia, a greve passou a ser manipulada como um instrumento político. Lênin pensou mesmo que ela seria a solução –a greve geral– para a tomada do poder, o bloqueio de soluções viáveis.
Amarguei, quando presidente da República, com 80 anos de atraso, essa concepção e ação executadas para não dar tréguas ao governo. O meu calvário foi de 12 mil greves, que procuramos absorver no momento de transição da sociedade, sem cair na sedução da repressão, da violência ou do retrocesso institucional.
Vejo a discussão dos candidatos e sempre é invocado que os números de hoje são menores do que os de 89. Mesmo assim, a leitura dessa deformada visão política da desestabilização não permitiu que os avanços sociais prosseguissem. Essa mentalidade é um fóssil político. A greve continua a ser um instrumento fundamental do trabalhador, mas não é um instrumento válido para o exercício de pressões políticas.
O Brasil está cansado de crise. Ele quer estabilidade. Deseja arrancar, para ocupar o seu lugar no mundo. A empresa moderna tem um grande sentido social. As ideologias morreram como instrumento político de salvação da humanidade. Repito o que já escrevi: a ciência e a técnica foram mais eficientes na melhoria da qualidade de vida humana do que os pensadores e oradores exaltados da revolução e da revolta.
É hora de construir. O exemplo do acolhimento do Real pela população é o reflexo desse novo clima. As empresas dependem, hoje, muito mais dos seus empregados e dos seus consumidores do que dos seus proprietários.
Mas devemos alertar o nosso trabalhador para a necessidade do salto qualitativo. Os ganhos de produtividade, no mundo, não iam para o trabalhador e os salários caíam sempre. O Brasil tem salários baixos por isso. Agora, num mundo interdependente, duas coisas são definitivas: a democracia liberal e a economia de mercado. Esta obriga a custos baixos com maior produtividade e competitividade.
Assim, os trabalhadores pensam o que é melhor: parar ou produzir? Repassar aumentos, sem ganhos de produtividade, é contra o próprio trabalhador, porque contra o consumidor, mais importante para ele do que o proprietário.
Agora, quando os ganhos de produtividade são extorquidos do trabalhador, indo somente para o bolso do empresário, voltamos ao século 19. E aí a palavra de ordem é a greve.

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