São Paulo, sábado, 17 de setembro de 1994
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MAC expõe desenhos de Mira Schendel

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

Quem visitou em abril a exposição de desenhos de Mira Schendel (1919-1988) na galeria Camargo Vilaça não precisa se entusiasmar com a que o MAC-Ibirapuera inaugura hoje, sob o título "Mais ou Menos Letras". Quem não visitou aquela vá a esta, sobretudo se tiver filhos para levar.
"Mais ou Menos Letras", com curadoria de Renata Sant'Anna, reúne 15 desenhos de Mira, a maioria feita em 1972. O público-alvo são as crianças. De fato, não há nesses desenhos a mesma sofisticação habitual de Mira, embora envolvam a mesma pesquisa, portem a mesma ascese.
A idéia é mostrar às crianças que uma letra também é um desenho, que o desenho das letras também implica significados, que o tratamento tipográfico é mais que um fator decorativo.
Escritores com gosto por várias artes, como o irlandês Bernard Shaw, sempre deram importância à tipologia. Shaw não permitia que seus livros fossem publicados senão em Baskerville –e, curiosamente, hoje nos parece que nenhuma outra fonte combinaria tão bem com sua charmosa ambição de esgotar cada argumento.
Mira estudava as potencialidades gráficas das letras deslocando-as no branco do papel e contrapondo-as a quadriláteros monocromáticos. A delicadeza –do papel e das texturas dos quadriláteros– é a chave para mostrar a integridade de cada letra (em especial as barrigudas: b, p, d).
As crianças vão receber letras adesivas e recortes de papel colorido para tentar fazer operação semelhante. Mas é preciso ser rousseauniano demais para acreditar que elas possam perceber o que está em questão.
Vistos dentro da carreira de Mira, os desenhos da exposição não são relevantes. Não têm a sugestão de silêncio, a busca radical da fronteira entre figura e abstração, o sabor de haicai que fazem o fascínio de seus desenhos.
Uma razão para ver "Mais ou Menos Letras" é que a 22ª Bienal Internacional de São Paulo, que começa no próximo dia 12, vai mostrar sala especial de Mira Schendel. Na tese da curadoria, Mira, Hélio Oiticica e Lygia Clark foram os três artistas que deflagraram a "contemporaneidade" na arte brasileira.
Mas, ao passo que Oiticica e Clark exploravam a sensibilidade do observador exacerbando-a, hiperestimando-a, Mira a fustigava com a contenção e o simples.
Em comum com ambos, teria buscado romper e rompido o suporte (a superfície bidimensional). Por isso, a 22ª mostrará de Mira a série dos "Sarrafos" e a instalação "Ondas Paradas de Probabilidade". Os desenhos, para o curador Nelson Aguilar, expressam a consciência desse rompimento.
A questão é saber se essa não é uma tese-coringa, que se possa aplicar também ao modernismo –já que todo artista moderno teve a ambição de que sua arte fosse mais que tradução da realidade em um plano vertical.
Exposição: Mais ou Menos Letras
Artista: Mira Schendel
Onde: Museu de Arte Contemporânea (parque do Ibirapuera, tel. 011/573-5255, zona sul)
Quando: de hoje a 11 de dezembro
Visitação: de terça a domingo, das 12h às 18h

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