São Paulo, sábado, 17 de setembro de 1994
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O receio do "déjà vu"

Os brasileiros primeiro sonharam com uma nova moeda, livre de inflação. Depois houve um período de aproximação gradual, um noivado com a URV, que já era quase o real. A partir de julho viveu-se o entusiasmo e o alívio da queda da inflação, de quase 50% ao mês para menos de 2%. Foram dois meses de lua-de-mel, com todo o prazer da novidade. A partir de setembro, entretanto, voltam as evidências de que a estabilidade é um desafio que tem custos, exige decisões corajosas e pode deixar cicatrizes.
O primeiro problema já estava presente desde o início, mas somente agora torna-se incômodo. A estabilização preservou um indexador, o IPC-r, que acumula já cerca de 12% e será repassado a salários. A greve dos metalúrgicos do ABCD pode ter sido apenas o primeiro episódio de uma série que recoloca em cartaz o conflito distributivo.
Conflito, aliás, que não se resume ao contraponto entre salários e lucros ou salários e preços. A valorização sistemática do real frente ao dólar também coloca em cena outros atores igualmente inconformados, como o exportador (acostumado a um câmbio no mínimo estável) e o produtor nacional (ameaçado por crescentes importações de similares mais baratos).
Não é possível precisar com antecipação se os dissídios trabalhistas trarão de volta uma inércia inflacionária que se pretendia eliminada, ou se a queda livre do câmbio prosseguirá além dos limites necessários e justificáveis para garantir a consolidação da estabilidade econômica. Mas é preciso reconhecer que os conflitos estão voltando e a solução, como sempre, nada tem de óbvia ou automática.
Reduzir a inflação brasileira não é novidade. O que até hoje não se fez, depois de tantos planos de estabilização, muitos com sucesso inicial retumbante, foi conseguir que a inflação permanecesse baixa.
Enquanto esse desafio não estiver superado, o que leva tempo e exige sacrifícios, haverá sempre o receio de que o Plano Real possa ser apenas a repetição de um filme já visto outras vezes.

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