São Paulo, sábado, 17 de setembro de 1994
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O que é ético, o que é humanitário?

JOSÉ AUGUSTO GUILHON ALBUQUERQUE

Apenas o interesse nacional justifica o uso da força contra um Estado estrangeiro e, mesmo assim, quando está em jogo a segurança do Estado e sua sobrevivência como país livre.
Isto se nos colocarmos em uma perspectiva realista, para a qual os Estados agem movidos pelo egoísmo, dentro dos limites estabelecidos pela sua potência, e não por motivos altruísticos, estabelecidos por princípios da ética individual.
Quando um Estado emprega a força contra outro, ele está desencadeando um ciclo de violência que põe em risco sua própria segurança, portanto isto só se justificaria para evitar um risco ainda maior.
Nesse sentido, objetivos de outra ordem, por mais meritórios que sejam, só deveriam suscitar a intervenção em país estrangeiro se estivessem diretamente associados à sobrevivência do Estado. Se não, a motivação ética, humanitária ou econômica pode muito bem confortar os sentimentos ou interesses dos governantes ou de grupos organizados em uma sociedade, mas a custo da sobrevivência do Estado e da vida e liberdade de seus membros.
O que é ético em uma sociedade não o é necessariamente em outra, o que é humanitário em uma sociedade não o é necessariamente em outra. E o mundo não tem uma autoridade comum legitimamente reconhecida como soberana sobre a totalidade dos países.
Portanto, nem uma universalidade dos princípios, nem a universalidade da lei pode justificar, sem contestação possível, a motivação moral.
A alegação de salvaguarda da democracia ou de sua restauração, tal como feita hoje, tem conteúdo bem diverso daquela que era brandida pelo "Mundo Livre" ainda ontem. A única coisa que têm em comum é usar uma alegação moral para justificar o uso da força.
Na verdade, da força podem resultar muitas coisas, mas certamente não a democracia, que é, precisamente a renúncia ao uso da força para constituir uma forma de autoridade legítima.
Raciocínio análogo pode ser empregado para intervenções militares de caráter "humanitário" na Somália, na Bósnia, em Ruanda. Nem há consenso sobre o caráter humanitário ou não da motivação, nem sobre a necessidade de intervir.
Portanto, não havendo consenso, seu sucesso e seu julgamento não diferirão muito do que ocorreria se a motivação fosse menos "nobre", tal como interesse econômico ou político.
Quando, entretanto, o interesse nacional é a motivação única, e a segurança do Estado é o critério, as coisas são muito mais simples, pois a avaliação dos riscos e benefícios é mais nítida.
Não intervir pode significar a derrocada do Estado, intervir pode significar sua sobrevivência? Então as retóricas diplomáticas certamente encontrarão definição adequada para justificar a intervenção. Do ponto de vista de uma interpretação realista das relações internacionais, a intervenção estará justificada de antemão.

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