São Paulo, domingo, 18 de setembro de 1994
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Filho revê os erros de Tito na Iugoslávia

JAIME SPITZCOVSKY
ENVIADO ESPECIAL A MOSCOU

Josip Broz Tito, o fundador da Iugoslávia comunista, não preparou terreno para que, depois de sua morte, houvesse "igualdade entre as nações" que compunham esse país do sul da Europa.
A balança de poder virou a favor dos sérvios e o mais implodiu, empurrado pelo nacionalismo.
O croata Alexander Broz faz a análise com a autoridade de uma das pessoas que melhor conheceram o dirigente iugoslavo.
Alexander, 53, é filho do marechal e hoje trabalha como diplomata na recém-criada embaixada da Croácia em Moscou.
A Iugoslávia que o marechal Tito organizou depois da Segunda Guerra Mundial se despedaçou a partir de 1991.
Croácia, Eslovênia e Macedônia se tornaram países independentes. A Bósnia-Herzegóvina luta pela sobrevivência, enquanto Sérvia e Montenegro formam a nova Iugoslávia.
O advogado Alexander Broz, especialista em comércio exterior, recebeu a Folha depois de assinar diversos vistos de entrada para visitantes da Croácia.
Na pequena embaixada, ele substitui o cônsul, que se encontra de licença. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Folha – A Iugoslávia se desintegrou porque desmoronou o regime autoritário criado por Tito? Qual foi o principal erro de eu pai, que sonhava em manter o país unido?
Alexander Broz – É difícil falar no principal erro de meu pai. A Iugoslávia só poderia existir com igualdade entre as nações.
Meu pai morreu em 1980 e quatro anos depois começou uma forte "serbificação" nas estruturas de poder, em especial no Exército.
Ou seja, os sérvios começaram a acumular postos importantes, em detrimento dos outros grupos étnicos, como croatas ou eslovenos, por exemplo.
Falando do erro de meu pai, acho que a escolha de seus auxiliares não foi muito acertada, pois depois de sua morte acabou estourando essa crise.
E a idéia do socialismo iugoslavo, baseada na autogestão das empresas pelos trabalhadores, não foi bem aplicada.
Acabamos numa profunda crise econômica. E você não vê problemas étnicos quando a economia anda bem.
Folha – Como o sr. se definiria ideologicamente? Um nacionalista croata?
Broz – Hoje os termos estão misturados. Há muita bagunça. Sou um esquerdista, embora nunca tenha sido um ortodoxo. E acho que hoje os trabalhadores vivem pior do que há 20 anos.
Naquela época o capitalismo enfrentava a ameaça do comunismo e por isso buscava se aperfeiçoar. Se a URSS não existisse, os países escandinavos não teriam desenvolvido a social-democracia, como forma de deter o fantasma comunista.
Seguramente as condições dos trabalhadores nos Estados Unidos também melhoraram. Agora que vive sem ameaças, não sei como o capitalismo vai se comportar daqui para a frente.
Folha – Qual sua previsão para o desenrolar do conflito na ex-Iugoslávia?
Broz – Não aposto muito nas previsões mais otimistas. Os sérvios procuram ganhar tempo para consolidar suas prentensões expansionistas. Agora acho que há mais um barril de pólvora que vai explodir.
Trata-se da Kossovo, região controlada pela Sérvia mas que abriga uma população albanesa. Algo tem que ser feito para impedir mais uma explosão de violência entre duas etnias.
Folha – Qual a saída?
Broz – Não tenho a receita exata, tenho a certeza de que algo precisa ser feito diante do confronto entre nacionalismo albanês e sérvio.
Folha – Como filho do principal dirigente iugoslavo, que privilégios o sr. teve em sua juventude?
Broz – Meu pai sempre tentou me proporcionar uma vida comum e sou muito grato a ele por isso.
A casa onde eu morava ficava fora dos limites da residência oficial. Quando chegou a hora de ir à faculdade, o meu pai me mandou para Zagreb, longe da capital, Belgrado.
Ele queria que eu construísse minha carreira a partir de meus esforços, o que foi uma lição de vida. Quando comecei minha carreira em Zagreb, andava de bonde.
Uma vez, na minha juventude, cheguei a seu gabinete para vê-lo. A secretária me avisou que era bom eu ter cuidado porque ele estava nervoso. Quando entrei, meu pai estava lendo documentos.
Fechou a pasta, olhou para mim e disse: "Eu tenho problemas com você". Eu respondi seco: "Pode ter certeza que você também me cria problemas".
Meu pai ficou desarmado com a resposta, se desfez do material de trabalho e me convidou para um jantar, dizendo que nós dois então devíamos esquecer os nossos problemas comuns.
Folha – Mas e as medidas de segurança?
Broz – Bem, quando era garoto havia um guarda-costas que me acompanhava à escola. Mas eu me divertia tentando fugir dele. Depois tive que tomar algumas precauções quando comecei a viajar pelo exterior.
Havia grupos de croatas neonazistas que gostariam de ter a chance de matar o filho de Tito. Então buscava sempre viajar de última hora, para evitar que alguém soubesse dos meus passos com antecedência.
Folha – O sr. está preocupado com a revisão histórica que acontece nos antigos países comunistas?
Broz – Não. Ao contrário do que acontece com outros antigos líderes comunistas, Tito ainda é respeitado na ex-Iugoslávia.
Folha – Muito se falava das festas promovidas por Tito, do seu encanto por roupas caras e pela possibilidade de ter estrelas de cinema como hóspedes. Seu pai se deixava seduzir por isso?
Broz – As festas malucas eram feitas por chefes locais. Quanto aos artistas, meu pai começou a convidá-los para visitarem a Iugoslávia porque queria divulgar o país e depois, receber estrelas, acabou virando tradição.
Ele recebia na ilha de Brioni, onde tinha uma casa de veraneio, gente como Kirk Douglas e Liz Taylor.

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