São Paulo, quarta-feira, 21 de setembro de 1994
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Memória e modernidade

MIRIAM CHNAIDERMAN

Por incrível que pareça, como se não bastassem os inúmeros locais amorfos pelos quais adolescentes uniformizados se locomovem em seus sempre idênticos finais de semana, fala-se na construção de um shopping center em pleno coração de Higienópolis: a dilapidação ocorreria em um terreno que tem servido de estacionamento e que vai da avenida Higienópolis até a rua Dr. Veiga Filho.
Vários casarões da avenida seriam demolidos, bem como destruídos o antigo teatro e casa em estilo inglês que se situam em meio ao estacionamento.
Massimo Cannevacci, antropólogo italiano que desde 84 tem vindo anualmente ao Brasil como professor convidado ou relator em diferentes congressos, dedica seu livro sobre São Paulo, "A Cidade Polifônica" (ed. Studio Nobel, 93), a questões da comunicação urbana.
Um dos bairros nos quais se detém é o de Higienópolis, contando-nos da abundância e beleza "e até mesmo enormidade" de algumas de suas árvores... Muitas das árvores de que nos fala Cannevacci provavelmente já não existem. Cita uma frase de um conhecido seu segundo a qual haveria um "ódio dos paulistanos pelas árvores".
Há árvores centenárias em meio ao estacionamento e até bem pouco tempo era possível escutar o galo cantar e o balido de carneirinhos em plena Veiga Filho. Parece que há mesmo uma nascente de rio no meio do estacionamento.
Percorrendo as ruas de Higienópolis, cruzamos com judeus ortodoxos, italianos sorridentes –as classes se misturam, a prolixidade de códigos encanta. O comércio é diversificado. Na praça Villaboim há livraria, papelarias sofisticadas, lojas de louças, lojas de moda para todas as idades e gostos.
Cada vez mais, a construção de prédios e o aumento de carros vêm tornando inviável o trânsito, tanto na avenida Higienópolis como na rua Veiga Filho. Os carros que vêm da rua São Vicente de Paula, que desemboca na Veiga Filho, quase em frente ao estacionamento, e futuro shopping center, tornam o trânsito difícil. Não há condições de escoamento.
Parece que as determinações econômicas têm levado a uma total desconsideração pela qualidade de vida. Argumenta-se que um shopping modernizaria o bairro, tornando-o menos anódino. Que modernidade é essa que nos obriga a não sair de casa e restringe a possibilidade de abertura para o mundo?
É uma pena que os shoppings, com toda a comodidade que de fato propiciam, levem, paradoxalmente, ao extermínio do que constitui a memória de uma cidade como São Paulo.

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