São Paulo, quarta-feira, 21 de setembro de 1994
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Aids, um problema econômico

RICHARD PARKER

A ausência de grandes novidades na 10ª Conferência Internacional de Aids, realizada no mês passado em Yokohama, no Japão, reflete a lentidão com que o mundo da ciência passou a lidar com a epidemia.
Hoje debatemos a eficácia do AZT e de outros antivirais que aparecem a cada ano, pesquisas procuram decifrar a estrutura do HIV, campanhas de prevenção e distribuição de preservativos são financiadas, mas os doentes de Aids continuam a ser cotidianamente discriminados e excluídos da população social e economicamente ativa.
Deliberadamente, investe-se nos saudáveis que devem prevenir-se dos riscos do vírus, enquanto aos infectados só resta o consolo de uma sobrevida prolongada de acordo com sua condição socioeconômica.
No encontro de Yokahama pôde-se claramente constatar, entre representantes de 140 países, a distância cada vez maior do enfrentamento da Aids entre o Primeiro e o Terceiro Mundo. A relação entre Aids e pobreza fica a cada dia mais estreita, como bem já observou Herbert de Souza, o Betinho, no caso do Brasil.
Os países pobres, em desenvolvimento, que carecem de bem-estar social, são muito mais vulneráveis a Aids. Neles, aceita-se a morte como inevitável, diante da falta de recursos para tratar os doentes e da inexistência de uma vacina. O que se pretende e evitar ao máximo o custo de novas infecções.
No entanto, não pode haver prevenção eficaz se não houver assistência adequada aos pacientes e, decididamente, não há prevenção quando há discriminação. A falta de atendimento digno para as pessoas que vivem com HIV/Aids continua sendo a pior forma de discriminação que existe.
Infelizmente, é uma forma de discriminação que ainda caracteriza a epidemia de Aids no Brasil. Basta lembrar que a sobrevida de uma pessoa soropositiva aqui é quatro vezes menor do que em países do Primeiro Mundo.
Em meados dos anos 80, organizações de base comunitárias e organizações não-governamentais colocaram a solidariedade como um princípio fundamental para o enfrentamento de HIV/Aids, numa época em que a propaganda governamental em relação a epidemia era absolutamente preconceituosa e contribuía apenas para aumentar o pânico e o terror da população. E as campanhas de prevenção, de conscientização, passaram a enfocar a solidariedade como determinante para as pessoas que vivem com HIV/Aids.
Anos depois, vemos o próprio governo adotando esse discurso, o que é bastante positivo para o enfrentamento da epidemia. Mas é preciso que se estenda a solidariedade a todo o serviço de saúde. Não se pode esperar que sobrevivam a Aids, os pacientes que carecem de um atendimento adequado, de uma qualidade de vida mais digna.
Enquanto aumentar a distância entre o Primeiro e Terceiro Mundo, a Aids estará atingindo gente que nem mesmo sabe da existência do HIV, porque é desprovida de seus direitos mais básicos como alimentação, emprego, saúde, saneamento e habitação.
Ao mesmo tempo em que devemos cultivar a esperança na descoberta de uma vacina, na eliminação do HIV, devemos lembrar da necessidade de cuidar das pessoas por ele infectadas, sem que isso implique simplesmente compaixão.
Temos que incluir a questão da cidadania dos que vivem com a epidemia; como parte de uma mesma luta por condições socioeconômicas mais dignas, que benefície os sistemas de saúde e educação, na construção de uma sociedade onde a pertinente preocupação com a prevenção seja acompanhada de formas de tratamento acessíveis a toda a população.
Se queremos uma sociedade sem Aids, certamente devemos fazer tudo para que aqueles que por ela estão infectados possam viver dignamente. A eliminação da epidemia começa com a superação do horror e da discriminação, aliada a informação e prevenção, e fundamentalmente apoio e assistência digna para todas as pessoas já infectadas pelo HIV.
No mundo, hoje, há milhões de pessoas que vivem com HIV/Aids e as alternativas para sua sobrevivência estão no respeito à sua cidadania.

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