São Paulo, quarta-feira, 21 de setembro de 1994
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Teoria econômica

ANTONIO DELFIM NETTO

Um dos hábitos mais bem-sucedidos dos economistas é a construção de modelos matemáticos a partir de estranhas hipóteses de comportamento. Os agentes encontram o equilíbrio através de sofisticadíssimos critérios de maximização. A parte interessante do processo é que essas virtuosas construções produzem um enorme prazer estético, que seduz o produtor e fascina o consumidor do modelo.
Trata-se, na verdade, de um processo mágico que permite o contrabando de conclusões do modelo para a realidade da política econômica quase naturalmente. A eficácia do método é indiscutível. A construção dessa particular "forma de pensar", que exige um enorme investimento pessoal, construiu barreira intransponível entre os economistas e os outros estudiosos do sistema social.
O ponto importante a ser notado é que, pelo próprio mecanismo de sua construção, não existe uma teoria econômica, mas algumas. Dependendo das circunstâncias, uma delas pode assumir um papel quase hegemônico. As outras sobrevivem à margem, esperando um momento propício para assumirem seu papel contestador.
O que há de mais excitante nesse processo é que, frequentemente, a verificação empírica é incapaz de decidir com clareza contra uma das "teorias". Como nenhuma pode impor a sua hegemonia, formam-se "escolas" que se supõem, cada uma delas, portadoras da verdade. As disputas assumem, assim, um caráter religioso. Elas se esmeram numa retórica escolástica, incompreensível e obscura, exatamente porque pretendem convencer o não-iniciado. J. K. Galbraith disse uma vez, com muita graça, que "Keynes foi sempre suspeito entre seus colegas pela clareza de seus pensamentos e dos seus escritos. Na 'Teoria Geral' ele resgatou a sua reputação acadêmica. O livro é profundamente obscuro, mal escrito e prematuramente publicado".
A teoria econômica nunca será uma ciência em que as disputas durem até a construção de um experimento crítico que resolva as diferenças, pela simples e boa razão de que na economia a "natureza" (a ética do agente, a tecnologia, as instituições, as relações sociais) vai mudando.
Ademais, os problemas são recorrentes, como é o caso, por exemplo, do desemprego que ataca as economias desenvolvidas.
Ele vem sendo discutido seriamente desde 1821, quando Ricardo publicou a terceira edição dos seus "Princípios de Economia Política". Mas ele se repete em "naturezas" diferentes. O mundo em que vivemos é o mundo que fazemos, como diria Herder.
Ricardo usou na sua demonstração a teoria do valor trabalho. No fim do século, um economista sueco, Wicksell, usando a teoria marginalista, mostrou que no prazo longo, em condições competitivas e salários flexíveis, o desemprego era uma impossibilidade lógica! Hoje, a maioria dos economistas atribui o desemprego europeu a duas causas fundamentais: 1) o alto nível de salário-desemprego com relação ao salário médio, criado pela social-democracia, o que desestimula os trabalhadores a aceitarem os empregos que pagam salários menores e 2) a regulamentação e a tributação criadas pela social-democracia, que reduziram o estímulo à criação de novos empregos. Esse diagnóstico parece confirmar a teoria de que Deus detesta os altruístas amadores...

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