São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
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Todos querem a descentralização

RAUL CUTAIT

A análise inicial dos programas de saúde de alguns candidatos à Presidência dá a impressão, em vários momentos, que não se está avaliando programas de governo, e sim de campanha eleitoral. De qualquer maneira, creio que esse enfoque é válido para o momento, uma vez que, para muitos problemas, só será possível gerar propostas mais concretas após estudos mais aprofundados.
A maneira como os programas –FHC, Lula, Quércia e Brizola– foram apresentados variou enormemente, desde o laconismo de Brizola, até o estilo mais dissertativo de Lula. A avaliação criteriosa e comparativa das propostas apresentadas mostra que os programas de Fernando Henrique e de Lula são os mais abrangentes, abordando praticamente todos os grandes temas que dizem respeito ao setor saúde. É interessante notar que, em vários tópicos, existe uma razoável concordância de avaliações e até de proposições, em especial entre os programas de FHC e Lula, sendo algumas divergências de caráter ideológico, mas a maioria de cunho operacional.
O primeiro aspecto a ser analisado e, indubitavelmente, de fundamental importância, é o acertado reconhecimento, explicitado por Fernando Henrique e Lula, da existência de um conflito estrutural em nosso país e que os problemas da saúde estão atrelados à situação sócio-econômica vivenciada pela população. Na verdade, sem essa compreensão primária, torna-se impossível executar qualquer programa de saúde, por melhor que ele seja.
Um importante ponto consensual entre os quatro candidatos diz respeito ao apoio ao Sistema Único de Saúde (SUS), cuja definitiva implantação deve ser meta prioritária para o próximo presidente.
Fernando Henrique e Lula, acertadamente, enfatizam a necessidade de ocorrer profundas alterações no modelo de produção das ações e serviços de saúde, de modo a garantir a universalização, a equidade, a integralidade e, em particular, a necessidade de corrigir incongruências regionais através de um esforço para discriminações positivas, tentando garantir, assim, uma melhor distribuição de ações entre os grupos sociais. Brizola toca nese tema de maneira muito tímida, enquanto que Quércia tem uma proposta quase de caráter hospitalocêntrico.
O fator investimento é enfatizado por todos, que evidentemente propõem mais investimentos para a saúde, mas através de mecanismos diversos que podem não passar do papel. Enquanto Lula e Brizola colocam a seguridade social como principal fonte de financiamento para a saúde, Quércia sugere a vinculação de 25% da receita fiscal líquida para o setor. Já Fernando Henqrique coloca, adequadamente a meu ver, a necessidade de uma reforma tributária que crie os mecanismos apropriados para aumentar o nível de financiamento da saúde. Contudo, não esclarece como o financiamento será garantido enquanto a revisão tributária não ocorrer.
Um outro tópico abordado pelos programas diz respeito à descentralização, uma grande unanimidade, e à definição dos níveis de competência das três esferas de governop, hoje ainda não convenientemente estabelecidos. Se, por um lado, as propostas de Fernando Henrique e Quércia são consensuais, realçando a posição de coordenação dos governos federal e estadual e de executor dos governos municipais, já a de Lula, estranhamente, omite a atuação do governo estadual.
Um dos grandes avanços nos últimos anos no setor saúde foi a constatação da importância do controle social sobre o sistema. Os programas de Fernando Henrique e de Lula dão ênfase a esse controle, enquanto Quércia propõe o sistema de fundações para exercer essa função.
Outro tea de definitiva importância no cenário da saúde é o da regulamentação da atenção médica, em especial a oferecida pelo setor privado, o que é salientado pelos candidatos Fernando Henrique e Lula, mas nem comentado pelos outros. Sem dúvida, somente com a adequada regulamentação desse setor será possível definir em que grau os setores público e privado se complementam.
Visões distintas entre FHC e Lula são bem evidentes no tratamento da política de recursos humanos. Apesar de ambos valorizarem os profissionais de saúde, sugerindo mecanismos para tal, observa-se que na proposta do PT fica subentendido um certo grau de corporativismo para o servidor público. Lamentavelmente, esse importante tópico sequer é mencionado nos programas dos outros candidatos.
Em relação à necessidade de melhor gestão dos recursos, ou seja, diminuição de desperdícios e aumento da eficiência das ações, Lula propõe que isso se dará na medida que se aumente o controle social, ocorra a descentralização e melhore a formação dos recursos humanos. Já FHC discute especificamente a questão propondo, como Quércia, o aumento da autonomia de unidades mais complexas. A proposição por parte de Quérciade vincular os hospitais públicos a fundações é de difícil equacionamento, mas merece ser avaliada.
Quanto à indústria farmacêutica, as propostas de FHC direcionam-se a grandes temas, como os genéricos, porém omitem o problema da regulamenteção industrial do setor. Lula, por seu lado, discute o problema com um tom ultrapassado, excessivamente nacionalista, mas taxativo na implantação do nome genérico para os medicamentos, o que sem dúvida significa um importante avanço para o sistema. Quércia não aborda o assunto e Brizola enfatiza o caminho de uma maior nacionalização.

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