São Paulo, segunda-feira, 26 de setembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Museu preserva viva memória do apartheid

FERNANDO ROSSETTI
DE JOHANNESBURGO

A inauguração, no mês passado, do primeiro museu pós-apartheid da África do Sul é representativa do ponto a que chegou a política de segregação racial no país.
A idéia do MuseumAfrica, que custou US$ 10,2 milhões a Johannesburgo, é "dizer as verdades que antes não eram ditas", segundo a curadora Hilary Bruce.
Para isso, o museu incorporou ao seu acervo barracos de favelas e cabanas de tribos, entre outros objetos que fazem parte do cotidiano dos sul-africanos.
Poderia parecer uma abordagem simplista do problema não fosse o fato de que a grande maioria dos brancos do país (em torno de 13% da população) nunca viu uma favela nem tem a menor idéia de como vivem os negros. O mesmo ocorre com os negros (76% da população) em relação aos brancos.
O apartheid –que consistiu em separar locais de moradia e, muitas vezes, de trabalho, de brancos e negros– gerou lacunas de conhecimento nas pessoas, uma espécie de "apartheid mental".
Em um país assim, o simples apresentar de suas diferentes realidades sociais assume um papel cultural transformador. Mas o MuseumAfrica vai além disso.
Em um espaço de 11 mil metros quadrados, distribuídos em quatro andares, o museu inova na comunicação visual de suas exposições e incorpora as aparelhagens hi-tech disponíveis no mercado para esse tipo de instituição.
"Ouro!", anuncia uma placa no setor que conta a história da descoberta do mineral que transformou toda a vida econômica do país.
"Mas e os trabalhadores?", pergunta outra placa, pouco à frente, onde são apresentadas –com fotos, maquetes e textos– as condições de trabalho dos mineiros
"O que é dito aqui não aparece nos livros escolares", disse à Folha o diretor de Bibliotecas e Museus de Johannesburgo, Ramesh Jayaram, 38.
"O museu tem um papel educativo importante, pretende provocar uma reflexão nas pessoas", acrescenta Jayaram.
Nesse sentido, o grupo que atualmente dirige o MuseumAfrica passou oito meses fazendo pesquisa de opinião sobre o que um museu da "nova África do Sul" deveria apresentar.
O resultado é aferível na reação dos cerca de 200 estudantes que têm visitado o museu a cada dia –além de 250 adultos.
"Eu hoje vou dormir cedo para poder digerir isso tudo", disse a estudante branca Christel Smith, 16, durante a visita com outros 25 colegas de escola.
O choque para os sul-africanos –acostumados a viver em "ilhas de fantasia", onde uns moram e trabalham em ruas semelhantes às de Londres e outros, em regiões estilo baixada fluminense, foi propositalmente aumentado com a escolha da primeira exposição transitória: "Anne Frank".
A mostra itinerante sobre a garota judia que escreveu um diário durante o nazismo na Alemanha está acompanhada de artigos de jornais sul-africanos da época.
Essa estratégia evidencia a proximidade entre os ideiais de Hitler e do apartheid –que buscou no nacional-socialismo parte de sua inspiração intelectual.
Com recursos simples como este e a permissão para que os visitantes manipulem a maioria dos objetos expostos, o MuseumAfrica, de fato, expõe os sul-africanos à sua "verdadeira história".

Texto Anterior: Pintores brasileiros são dois
Próximo Texto: Newtown será centro cultural
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.