São Paulo, domingo, 1 de janeiro de 1995
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Mudanças trazem otimismo para Ano Novo

OSIRIS LOPES FILHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

É preciso reconhecer o óbvio. Neste período que antecede o Natal até o Ano Novo são significativos os traços de mudança do país. A classe média foi voraz e faminta às compras. Objetos antes privativos de consumo dos ricos, nas lojas caras de importados ou nos abastecimentos conspícuos do contrabando de alto coturno, agora, graças às medidas liberalizantes adotadas pela burocracia tecnocrática, estão democraticamente à venda nos bazares, lojas e shoppings. A variedade é imensa. Ao brasileiro com grana, as oportunidades de consumo são incontáveis, sem necessidade de emprego de pistolão para embarcar nos vôos para o exterior, que estão abarrotados.
Um conhecido conta-me maravilhas do abastecimento de produtos estrangeiros que entraram legalmente no país. Ou pelo menos esse é o pressuposto, tão profusa e escancarada é a exposição desses bens.
"Comprei um aparador de fio de cabelos para o nariz e um barbeador para eliminar "naps", fiapos e bolotas das roupas, ternos e principalmente blusas de lã", diz-me feliz.
Fico extasiado com essas invenções da sofisticação da indústria de consumo estrangeira. Peço detalhes. "O aparador de cabelos anti-estéticos e rebeldes do nariz funciona uma maravilha. Corta os pêlos sem ferir, objetiva e funcionalmente", descreve-me o conhecido. "E o barbeador de roupa? Será este o nome. Não seria melhor aparador de fiapos?", pergunto. Esclarece-me que o nome em inglês é "shaver" (barbeador) e que sua função é exatamente barbear as roupas daqueles fios desalinhados e bolinhas a lhes dar aspecto de velhas, mal cuidadas e rotas. E diz-me em conclusão: "Tem a mesma função do barbeador, que dá ao rosto uma feição de limpeza, asseio e civilidade."
Calo-me diante da explicação entusiasmada de quem encontrou satisfação total no seu consumo, adquirindo tão úteis utensílios, que provocam o milagre de evitar melecas suspensas em fios desalinhados das narinas e transformam roupas usadas, desgastadas, em roupas "up to date".
E reflito. Não diria que tudo mudou, mas muita coisa mudou. Dirigindo o automóvel, chego a essa conclusão final. Nos sinais, semáforos ou faróis, o nome vai conforme o gosto ou região, já não há mais o recolhimento compulsório de contribuições em dinheiro, em jóia ou do próprio veículo, feito por enérgicos e decididos senhores, que, para mostrar a sua firmeza de vontade e a força de seu argumento, apontavam para a cabeça do condutor do veículo o cano de um revólver calibre 38.
Há a inovação de crianças, com caixas decoradas com papéis de colorido natalino, a solicitarem uma doação e os motoristas, para alívio da consciência, não dão apenas moedas, mas notas, que depois de muita humilhação de nossa moeda, agora, valem mais do que o dólar! É isso. Muita coisa mudou.
O futuro presidente anuncia o ministério e justifica suas escolhas, democraticamente dando explicações. São muitas as inovações. Gente comprovadamente experiente de volta. Jatene, na Saúde, Stephanes, na Previdência, Dorothéa, na Indústria e Comércio, Bresser na Administração. Para a Agricultura um banqueiro versátil, o senador José Eduardo, que já ocupou a pasta da Indústria e Comércio e que seguramente aplicará à nossa agricultura a receita da prosperidade e dos lucros bancários. Mas a surpresa é o PFL. Tão combatido na fase de campanha, apresenta a sua contribuição expressiva, que deixa desestabilizados os que o atacavam de fisiologismo: Stephanes , Krause e Raimundo de Brito. Na Justiça, Jobim é efetivamente um jurista e não se repete o equívoco cometido por Collor, quando da nomeação de um professor dito da Sorbonne, cujos cursos lá ministrados eram do tipo "Walita", para legitimação técnica de folhetos de turismo com pretensão de aprimoramento profissional. No Planejamento, o senador José Serra representa a versão modernizada do "é proibido gastar" do presidente Tancredo Neves. Ministro que chega se declarando "pão-duro" é do que se precisa na bacanal anárquica do gasto público federal para lhe imprimir ordem e eficácia.
Mas a grande novidade é a indicação de Pelé. Primeiro, a ascensão da raça negra ao poder, que tem sido tão ativa para o reconhecimento de sua expressividade. Segundo, nomeia-se um cidadão do mundo. E dá-se ao ministério do presidente Fernando Henrique um caráter universal, de integração mundial, muito ao modelo do deputado Roberto Campos. Nada de ministério tupiniquim e, muito menos, paroquialista. Pelé é divisor de águas no esporte nacional. Sua nomeação indica o desprestígio de Ricardo Teixeira e João Havelange, seus desafetos na imprensa e em litígio judicial.
É, as coisas estão mudando nestas paragens, que já foram consideradas "tristes trópicos" e estão cheias de otimismo para se adentrar o Ano Novo.
Ao presidente Itamar, em reconhecimento ao seu talento, acena-se com a embaixada em Lisboa. Suas aparições em público são apoteóticas. Sinceramente apoteóticas, se se consideram não apenas o reconhecimento e a aceitação populares e as expectativas reais de retorno à Presidência, mas o fato de que poderá descer a rampa do Palácio do Planalto sob aplausos populares, aposentando a saída clandestina e prudente pelos fundos, de algumas gestões anteriores.
Millor Fernandes identificou uma característica de nossa gente, quando definiu com propriedade: "Brasileiro, profissão esperança." Valeu a pena ser brasileiro neste final de milênio e ter mantido acesa a chama da esperança.
O Natal, época de presentes, de sentimentos nobres e de solidariedade, está prenunciando uma nova era de otimismo e realizações para o povo brasileiro, no novo ano que se anuncia –a superação da esperança por realizações concretas em favor dos humildes, pobres e desfavorecidos, que não mais serão marginalizados.
É o processo que se reinicia, de aguardar que o novo governo consiga transformar seu discurso e promessas em realidades melhores para o povo brasileiro.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 55, é professor de Direito Tributário e Financeiro na Universidade de Brasília, advogado e ex-secretário da Receita Federal.

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