São Paulo, domingo, 1 de janeiro de 1995 |
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O modernismo gentil
ARTHUR NESTROVSKI
Quando eu nasci, a minha família já era um pouco a família deles também, e vice-versa. Meus avós foram amigos dele e de dona Mafalda desde a infância, em Cruz Alta; a segunda geração manteve a tradição de amizade. Nos anos de que estou falando –décadas de 60 e início de 70– a casa dos meus avós era o seu ponto de encontro, nos sábados à noite. Quem quisesse encontrá-lo, ia para lá. Encontraria, também com um pouco de sorte, outros nomes da intelectualidade gaúcha: Josué Guimarães, Moacyr Scliar, Herbert Caro, Celso e Lya Luft, sem falar no Luiz Fernando. De fora, também, vinham outros amigos e conhecidos: Aurélio Buarque de Hollanda, Paulo Rónai, José Olympio, Paulo Autran, Clarice Lispector, até Tarcísio Meira, quando veio ao Sul filmar o "Capitão Rodrigo". Esta é a memória afetiva e parcial que eu tenho daquele tempo. Em retrospecto, hoje, penso com admiração ainda maior num outro período. Meu avô e ele compartilhavam da vida literária da cidade em seu auge, nas décadas de 30 e 40. Residiam, então, em Porto Alegre o poeta Mário Quintana, o editor Henrique Bertaso, o ensaísta Augusto Meyer e o compositor Armando Albuquerque, entre outros. O grande projeto editorial da Livraria do Globo foi um dos seus legados. Anos mais tarde, em outras circunstâncias, foi criada a Feira do Livro –outra bela herança desse modernismo gentil que eles construíram. Construíram, isto é, uma idéia de país, baseados num ideal de cultura que não é menos relevante hoje por ser inaplicável. Eu tenho duas mágoas na vida: uma é a de não ter convivido o suficiente com meu avô e seu amigo, não ter conversado com eles como adulto. Outra é a de não poder mostrar a eles o que venho fazendo agora, seguindo seus passos como intelectual e editor. A mágoa é tanto maior porque tenho a consciência de que, no fundo, tudo o que eu tento é ser um bom ventríloquo: como tantos outros da minha cidade e da minha geração, mas talvez de uma forma mais pessoalmente comprometida, o que eu tento é ser digno de fazer ressoar e de distorcer, à minha maneira, as vozes de meu avô, Maurício Rosenblatt, e de seu grande amigo, meu quase avô Erico Verissimo. Texto Anterior: Um romancista liberal Próximo Texto: Todas as faces de Herbert Caro Índice |
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