São Paulo, domingo, 1 de janeiro de 1995
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Sinn Fein é contra entrega de armas

ROGÉRIO SIMÕES
ENVIADO ESPECIAL À IRLANDA DO NORTE

Os armamentos do IRA (Exército Republicano Irlandês) não deverão ser entregues a curto prazo e o Sinn Fein, seu braço político, não vai realizar esforços nesta questão.
Esta é a posição do vice-presidente do partido e ex-líder do IRA, Martin McGuinness, 44, que esteve à frente da delegação do Sinn Fein nas duas reuniões com o governo britânico, durante o mês de dezembro.
McGuinness recebeu a Folha para uma entrevista em um dos escritórios de seu partido na cidade de Londonderry, um sobrado simples que não dispensa o circuito interno de TV como medida de segurança.
Depois de comandar durante a década de 80 a base do IRA em Londonderry, onde nasceu, McGuinness passou a atuar na política e se distanciou das operações militares.
Apesar de negar ter contato com o grupo paramilitar, ele é considerado o político com maior influência dentro do IRA. Para muitos, enquanto McGuinness apoiar o processo de paz, o cessar-fogo do grupo será mantido.
Folha - Quando a questão dos armamentos, dos dois lados do conflito, será resolvida?
McGuinness - Eu não sei. Esta é uma pergunta que o governo britânico deve responder porque foram eles que levantaram esta questão. Nós deixamos claro ao governo que isto não tem nada a ver conosco, é uma questão sobre a qual o Sinn Fein não tem nenhum controle. Não há nada que possamos fazer.
A realidade é que o IRA não é o único com armamentos. A comunidade unionista tem sido armada pelo governo britânico desde a fundação do Estado irlandês. E os esquadrões da morte unionistas têm usado essas armas por muito tempo.
Folha - O primeiro-ministro John Major diz que apenas a população da Irlanda do Norte participará de um plebiscito sobre o futuro da região. O Sinn Fein aceitaria isso?
McGuinness - Não. O que deve ser reconhecido é que esta ilha foi dividida e um Estado foi criado, pelo governo britânico, para os unionistas. Então estamos lidando com uma situação antidemocrática e isso é inaceitável para nós.
Folha - Alguns jornais afirmam que o IRA continua definindo novos alvos na Grã-Bretanha. Quanto tempo você acha que o cessar-fogo pode durar?
McGuinness - Nós vemos em muitas dessas reportagens a mão do serviço de inteligência britânico, que tenta criar esta impressão, de que o IRA está escolhendo alvos. Eu não acredito nisso.
Os republicanos irlandeses estão bastante sérios sobre alcançar o sucesso neste processo de paz. Acho que o IRA está tão ansioso em ver este sucesso como qualquer um.
Folha - O que você acha que vai acontecer com o IRA se houver realmente uma solução pacífica para o conflito?
McGuinness - Bem, se nós alcançarmos o fim da jurisdição britânica na Irlanda, se os britânicos aceitarem o direito do povo irlandês como um todo de autodeterminação e decidirem ir embora, e uma vez que as pessoas estejam satisfeitas, eu acho que não haverá mais necessidade de haver nenhum grupo armado nesta ilha.
Folha - Qual é a sua relação com o IRA hoje? Você fala com os líderes frequentemente?
McGuinness - Antes de o IRA anunciar o cessar-fogo, Gerry Adams e eu nos encontramos com os líderes para discutir a situação política.
Foi a última vez que nós falamos com o IRA, mais de três meses atrás.
Folha - Qual a diferença entre o ambiente no início dos anos 70 e o de hoje?
McGuinness - A grande diferença é que todos nós passamos por 25 anos de uma luta bastante amarga e intensa. O governo britânico sempre imaginou uma solução para o conflito em termos de uma vitória sobre o IRA, o que nunca aconteceu.
Hoje há grande apoio da comunidade européia ao processo. Todo mundo passou a aceitar os argumentos que têm sido colocados nos últimos dois anos, de que tem que aumentar o diálogo.
Os únicos resistentes a isso no atual estágio são o governo britânico e os unionistas.
Folha - Você disse em uma recente entrevista que sentia por algumas vítimas do conflito, especialmente duas crianças que morreram em uma explosão do IRA em Warrington, no ano passado...
McGuinness - Eu não disse que eu sentia especialmente sobre os dois garotos. Eu sinto da mesma forma pela morte de todas as pessoas inocentes.
É muito errado identificar dois garotos em Warrington e isolá-los das nossas crianças que foram mortas pelo exército britânico e pela RUC (polícia).
Antes de essas duas crianças serem mortas em Warrington, dúzias de nossas crianças foram mortas, mas a mídia britânica não escreveu nenhuma reportagem especial sobre elas.
Folha - Você acha que a situação atual seria diferente se os trabalhistas estivessem no governo do Reino Unido?
McGuinness - Sim, eu acho que a situação seria muito pior, porque todas as nossas experiências com trabalhistas foram piores do que as com os conservadores. Um novo governo britânico trabalhista não inspiraria nenhuma grande confiança em mim.
Folha - Você se candidataria para o parlamento de uma Irlanda unificada?
McGuinness - Isso vai depender do Sinn Fein. Provavelmente, nesta época eu já estarei pronto para me aposentar (risos).

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