São Paulo, segunda-feira, 2 de janeiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Xuxa e Regina exploram a cumplicidade

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Xuxa e Regina Casé. Dois especiais globais de fim de ano expuseram estrelas com estilos opostos. Xuxa encarnou uma personagem em busca de contato pessoal com a própria Xuxa, em uma triste e patética busca de si mesma.
Regina, ao contrário, se volta para fora, fazendo assunto a partir de sua interação bem-humorada com as pessoas médio conhecidas que escolhe para personagens.
As duas tematizam os laços de cumplicidade que selam as relações entre suas figuras públicas de apresentadoras de TV e os telespectadores. Xuxa é prisioneira daquela misteriosa veneração embasbacada que cerca os astros da mídia contemporânea. Regina brinca com o reverso dessa veneração: o fascínio que os fãs têm por também se tornarem astros.
Xuxa estimula o desejo do público por seu corpo andrógeno, a um só tempo adulto e infantil, de menininha e prostituta. Dedicou seu especial a representar a ânsia de seus amiguinhos por um contato pessoal com o ídolo.
Ela encarnou uma colegial aplicada, de óculos, aparelho e mochila nas costas, que conhece um menino e se torna amiga dele graças a sua pretensa intimidade com Xuxa. O vulto da estrela é a base da relação dos dois personagens.
A estrutura do show –aventura em cenários distintos, todos de estúdio– repetiu as inúmeras versões de Alices no país das maravilhas. Aqui a maravilha é uma só e não traz nenhuma surpresa, mas faz um sucesso intrigante.
Casé retomou a linha documentário-comédia-musical do "Programa Legal" (Luiz Fernando Guimarães faz falta) em um especial sobre a festa. Lembra –na abordagem e no padrão estético- a ótima série "Baila Caribe" (exibida pela Cultura em 1993), também dirigida por Belisário França e escrita por Hermano Viana.
Confirmando a tradição de tematizar o país de nossa televisão, "Brasil Legal" encerrou um ano de orgia verde e amarela, às vésperas da posse presidencial, falando de diversidade. Regina encarnou a figura de uma "folclorista pós-moderna", que entrevista, atua e provoca festeiros de Belém do Pará ao Viaduto do Chá.
Ficamos sabendo da biografia sumária de cada entrevistado, mas não se trata de enquadrá-lo em alguma categoria pré-fixada, nem de conseguir flagrá-lo em algum deslize. Não queremos vê-lo chorar.
O programa realiza o sonho de notoriedade de personagens que têm o que dizer, e ao mesmo tempo satisfaz a curiosidade antropológica dos telespectadores sobre modos de se divertir de micro universos diferentes dos seus.
"Festas comemoram uma passagem de tempo", arrisca nossa pesquisadora global alinhavando, com um levíssimo toque analítico, esse ousado desfile de representações populares.
Os dois especiais lidam com aspectos pouco conhecidos do fenômeno televisivo. A equipe de Xuxa aposta no poder irradiante da estrela nas alturas. Corre o risco de exaurir seu corpo e sua alma.
Regina se alimenta do contato com os outros. Na era dos "reality shows" e dos programas interativos que tanto dependem das histórias de quem até há pouco esteve restrito ao outro lado da tela, "Brasil Legal" experimenta –sem sangue nem miséria.

Texto Anterior: Guerreiro jamais faz ameaças
Próximo Texto: Elvis tem seu melhor momento
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.