São Paulo, segunda-feira, 9 de janeiro de 1995
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A crise da reengenharia

JOÃO BOSCO LODI

Menos da metade das empresas que demitiram em massa nos últimos cinco anos elevaram os seus lucros –esta é a conclusão de uma pesquisa de 1994 da AMA ("American Management Association").
Reengenharia era um nome desconhecido até 12 anos atrás, uma dessas fórmulas mágicas criadas pelas celebridades instantâneas, um fenômeno deste final de século. É um engenhoso elenco de quase todas as teorias voltadas para a reestruturação desde a obra pioneira de Peter Druker.
A reengenharia está sob crítica das publicações mais sérias como a revista "The Economist" enquanto a mídia superficial ainda continua fazendo a sua publicidade. O ciclo de vida desses macetes administrativos é de cinco a dez anos; após esse tempo ninguém mais se lembrará desse modismo, a exemplo do que aconteceu com outros no passado. Quem se lembra da Teoria Z ou do Orçamento Base Zero ou do Desenvolvimento Organizacional?
1. Os males da reengenharia
Os dirigentes usam a reengenharia e as grandes consultorias como grifes de moda em substituição a sua obrigação de pensar. Grandes gastos são efetuados com consultorias internacionais enquanto os acionistas ou diretores "esperam" 12-18 meses pelas recomendações finais. A reengenharia funciona como proteladora de decisão, pois o tempo médio de um ano e meio é demais para recuperar uma posição declinante e a desmotivação interna.
Abater a moral dos colaboradores é um dos resultados das reengenharias. Os colaboradores descobrem informalmente que os dirigentes pagaram até mais de US$ 1 milhão para a consultoria enquanto os cortes de cabeça e os relatórios se acumularam às centenas pelas gavetas.
O nível de confiança na direção superior ficou grave ou irreversivelmente perdido. O antigo paternalismo-corporativismo responsável pelo "status quo" foi substituído pelo capitalismo selvagem e pela ganância dos dirigentes.
A consultoria de reengenharia trabalha a média gerência com dezenas de equipes procurando levar a uma identificação de desperdícios e análise de valor agregado, conduzindo uma pressão de baixo para cima, enquanto os dirigentes ficam apoiando os cortes e esperando pelas conclusões.
No final, quase toda consultoria sai odiada pelos dois grupos.
Planos, projetos e cronogramas são usados como um substituto para o pensamento. No final do tempo a consultoria aparece aos colaboradores pelo alto custo de seus honorários contra o penoso preço das demissões, a massa de relatórios contra a inépcia de seus acionistas e executivos.
Não há melhor forma de tornar ridículos os dirigentes.
A neurose da reengenharia é a ânsia pela redução de custos em vez da busca de melhores receitas e resultados, o vício do emagrecimento como único resultado tangível. Os controladores podem provar que os cortes foram rapidamente repostos na fase seguinte.
As consultorias de reengenharia trabalham com músculos e não com o cérebro. Centenas de horas-homem de consultores são alocados no projeto, enxames de jovens recém-formados inteligentes e ambiciosos mas inexperientes ostentando seus diplomas, atacam todos os departamentos dando a sensação de acurácia e seriedade. Faz-se um teatro com o preciosismo do detalhe.
O grande guru da reengenharia parece como uma epifania sagrada no "briefing" inicial e poucas vezes na primeira fase, substituído depois pelos duros combatentes acostumados com a desmoralização final.
2. As grifes e os gurus da reengenharia
É um fenômeno de nossa época milenarista o aparecimento de celebridades instantâneas cercadas de muito ruído publicitário e de uma indústria de publicações, vídeos, áudios, seminários. Capas de revista de prestígio subservem a essa indústria. É tudo teatro e empulhação. Depois ninguém conta os prejuízos porque suas vítimas os empresários não querem sair do anonimato. Nessa altura, as capas já estão anunciando o próximo guru instantâneo e seu novo modismo no jargão inglês.
O surgimento desses iluminados indica uma sociedade ansiosa ou histérica, em desesperada busca de fórmulas salvadoras e de figuras carismáticas, fenômeno correspondente à mística do milenarismo e à proliferação de seitas portadoras de segredos arcanos.
O sensacionalismo e o modismo substituem o ato de pensar por um treinamento massivo, como um processo de conversão secular em massa. Consultores e professores, comunicadores e jornalistas precisam refletir se o seu papel, em vez de fazer o show da comunicação não é ser instrumentos de reflexão e de mudança.
A reação aos gurus e a erosão da reengenharia estão surgindo fortes em publicações de Primeiro Mundo como "The Economist". No Brasil ninguém ainda entrou com uma ação no Procon por perdas e danos e por isso mesmo as consultorias vivem hoje um momento de capitalismo selvagem.

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