São Paulo, segunda-feira, 9 de janeiro de 1995
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Uma semana irrepreensível

LUÍS NASSIF

Para aquelas mentes que costumam tratar a opinião pública sob o ângulo do marketing, o momento é adequado para ser oposição. O otimismo bateu no seu limite de alta e, a partir de agora, cai-se na real, com todos os problemas inerentes a um processo doloroso de reformas que se terá pela frente.
É apenas isso que explica essa epidemia narciso-intelectualóide que tomou conta de parte dos analistas, nesta primeira semana de governo. Falta ao Real o aspecto lúdico do Cruzado. O presidente é anti-social porque indicou ministros da área econômica antes dos da social. O anúncio da criação de uma assessoria internacional de direitos humanos, por parte do Ministro da Justiça, significa automaticamente que o governo vai descurar do tema internamente.
Só o relho do analista de Bagé para curar esse surto de frescurite existencialista. Cada qual trata de definir seu espaço mercadológico no novo jogo. Depois, vai-se adicionando condimentos aqui e ali para fazer o bolo, de acordo com a receita prévia. E os fatos que não venham atrapalhar.
A coluna não tem nenhum motivo para enaltecer a eleição de FHC. Pelo contrário, criticou acerba e incessantemente a postergação de reformas, o plano eleitoreiro. Mas os fatos não estão confirmando esse ceticismo.
Reproduzo as críticas e o ceticismo da coluna, no ano passado, e o que ocorreu nesses primeiros dias de governo:
Crítica: FHC não tem preocupações operacionais.
Fatos: Com poucas exceções, a equipe de governo escolhida é a mais operacional que já conheci. Foi-se buscar no funcionalismo público e na área acadêmica o que havia de mais eficiente.
Desde o Cruzado, dezenas de homens que se diziam de oposição buscaram o serviço público exclusivamente como trampolim para seus negócios privados. Desta vez soube-se isolar esses cafetões do serviço público em favor das vocações públicas verdadeiras.
Crítica: FHC não tem nenhuma preocupação gerencial.
Fatos: A reunião ministerial deste final de semana introduziu o método de gerenciamento por processos –pedra de toque da reengenharia, no qual definem-se processos abrangentes (melhoria do comércio exterior, políticas sociais etc.) e juntam-se todas as áreas afins, com um coordenador incumbido de acompanhar os trabalhos e cobrar resultados. É a maneira mais moderna encontrada para superar estruturas administrativas enormes e enferrujadas.
Crítica: A área social do governo foi aquela historicamente exposta ao loteamento político mais pernicioso. FHC fala em prioridade social, mas evita pronunciar-se sobre a Legião Brasileira de Assistência e sobre a despolitização dos programas sociais.
Fatos: A LBA é extinta e anuncia-se a municipalização de todos os programas sociais. O governo federal vai se limitar a coordenar e fiscalizar os programas.
Crítica: Com o leque de alianças conservadoras que o apoiaram, FHC não conseguirá montar um ministério técnico.
Fatos: Montou-se um ministério com pouquíssimas concessões políticas, até o limite da imprudência. Vide o caso secretário de Ação Regional, onde descontentou-se o PMDB e o nordeste, para não se correr o risco de uma ação fisiológica. Vide a indicação dos presidentes do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal.
Crítica: Falta a FHC determinação para enquadramento dos bancos estaduais.
Fatos: Intervenção no Banespa e no Banerj, previsão de mais intervenções, sem que governo acene com as facilidades.
O que faço com isso? Encaro com o ceticismo superior de quem vê o mundo de uma redoma, para não dar a mão à palmatória?
Foi apenas uma semana de governo. Por prudência, não se pode extrapolar para o mandato inteiro. Mas por suas preocupações operacionais, pela clareza de idéias, pelos sinais emanados de compromissos com as reformas, foi o melhor início de governo que presenciei em toda minha carreira jornalística.

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