São Paulo, segunda-feira, 9 de janeiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

1995: perspectivas consolidadas

FLORESTAN FERNANDES

Os cientistas sociais temem fazer previsões. Algo parece mais ou menos sólido no curto e até no médio prazo. As longas durações ficam condenadas à adivinhação ou aos transcursos consumados. Mesmo Marx e Engels referiam-se às "orientações gerais do processo". Exauriam o concreto, indagando se crises profundas se conjugavam à inquietação social e à rebelião das classes oprimidas.
1995 praticamente se esgota no plano do tempo instantâneo (ou "in flux"). Vários processos, pouco visíveis ou de longa duração, já estão, no entanto, nele incrustados. Não aparecem, salvo rasteiramente, no horizonte intelectual das elites dirigentes, prisioneiras do imediatismo, do voluntarismo e das prioridades intrínsecas à sua situação de classe.
O Brasil foi colhido por uma rápida alteração acumulativa do capital monopolista e no padrão correspondente de imperialismo. Ambos foram agravados por suposições erradas sobre as transformações que ocorrem nos Estados das nações centrais. Estes, não recebem ameaças à sua sobrevivência e continuam vitais para a lógica de rapina das corporações gigantes. Suas antigas funções passam por alterações estruturais, exatamente para corresponder aos dinamismos dos blocos econômicos e de um tipo de barbárie que não emana da filosofia política do liberalismo e da democracia como estilo de vida.
Como outros países periféricos, o Brasil penetra nessa moldura histórica pela porta dos fundos e sob o "monitoramento" das novas concepções imperialistas. Todavia, suas dimensões geopolíticas, a predominância da miséria e da ignorância dirigida de cima, a fome de vantagens a qualquer preço das elites, as inconsistências da integração nacional e a debilidade do Estado e de outras instituições-chave da sociedade, encaminham o processo para um "buraco negro".
Dentro da sociedade civil correram, como o sangue nas veias, sonhos de um "salto econômico" próximo. O despreparo e o atraso cultural das elites das classes dominantes generalizaram essas propensões de negar o concreto como totalidade histórica. Até nos momentos de decisão, essa ilusão cegou todos os que, mesmo na esquerda, simplificaram demais os automatismos do desenvolvimento capitalista, com paralelos eurocêntricos ou estadunidenses descabidos.
O pior consiste no fato de não se avaliarem as experiências e as necessidades prementes que vinham de baixo e do estado geral da população. O dinheiro (ou excedente econômico) que sobrava do intercâmbio com o mundo exterior apenas permitia que o restrito tope da pirâmide social se nivelasse com o "Primeiro Mundo".
Desencadeia-se outro momento decisivo e repetem-se os erros. Com uma diferença: a globalização fragmentada engolfa o Brasil em tendências regressivas, que nada têm a ver com a utopia burguesa e o otimismo dos governantes. O espelho não lhes desvendou o reverso da imagem e somos impelidos a uma aventura capitalista trágica.

Texto Anterior: Notícia da mais que amada
Próximo Texto: SÃO PAULO CONTINUA; LUTANDO PELA VIDA; PROMESSA DE REI
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.