São Paulo, terça-feira, 10 de janeiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O crepúsculo dos Caics

ARNALDO NISKIER

Como é da nossa melhor tradição, o governo de São Paulo mandou suspender a construção de 638 escolas-padrão e o novo ministro da Educação, professor Paulo Renato Souza, interrompeu o delírio faraônico do ex-ministro Murílio Hingel, deslocando R$ 164 milhões para fins mais nobres.
A princípio, pode parecer que as duas atitudes têm tudo a ver com a mania nacional de prestigiar a descontinuidade. Pode parecer, mas não é.
No caso do MEC, que acompanhamos de perto, o Caic nasceu da cabeça megalomaníaca de Fernando Collor, que contou para a sua viabilização com a douta colaboração de José Goldemberg, a princípio inteiramente contrário à idéia, mas que se rendeu aos encantos da demagogia.
Hoje, há mais de 200 Caics espalhados pelo Brasil, cada um deles tendo custado quase US$ 2 milhões. Agora, ninguém sabe como serão mantidos. Irresponsabilidade com o dinheiro público.
No ano passado, encantado pelas delícias do poder, o professor Murílio Hingel estipulou a abertura de vagas onde elas não eram necessárias, meteu-se em tarefas que eram de responsabilidade estadual e municipal, gastando quase US$ 400 milhões na construção desses palácios que agora o presidente Fernando Henrique Cardoso disse que não quer mais.
Suas palavras foram enfáticas: "De que adiantam escolas faraônicas se lá dentro estarão professores despreparados e mal pagos?". Tem toda razão. Esse dinheiro suado poderia muito bem estar sendo empregado na melhoria dos cursos de formação de professores e no reforço às dotações estaduais, para que os pisos salariais dos mestres da rede pública deixassem de se situar em faixas vergonhosas (menos de R$ 100).
Com índices estupendos de popularidade, o governo Itamar Franco pisou na bola quando o tema era educação. Não são conhecidos grandes feitos na gestão de dois anos de Murílio Hingel, além da façanha de ter promovido, com estardalhaço, a extinção do Conselho Federal de Educação. A desculpa foi clara: era um "balcão de negócios". Generalizou a crítica, envolvendo grandes educadores na mesma e inconsistente acusação, o que não fica bem para um ministro de Estado.
O que causou espécie na violência cometida é que as homologações eram todas feitas pelo MEC. Se as autoridades desconfiavam de alguma coisa, por que não sustar o processo? Ao contrário, nunca se viu tanta homologação.
Nos últimos dias de Hingel, a caneta funcionou com sofreguidão, chegando ao cúmulo de aprovar quatro novas universidades, no derradeiro "Diário Oficial" de Itamar, em áreas onde não havia carência.
E tem mais: duas dessas instituições estiveram notoriamente envolvidas no escândalo dos "anões" do orçamento, recebendo dinheiro público de forma tortuosa e para fins não esclarecidos.

Texto Anterior: Colecionador de cachaça de Minas Gerais entra para o Guinness Book
Próximo Texto: Filósofa estuda consciência, tempo e espaço na obra de Henri Bergson
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.