São Paulo, terça-feira, 10 de janeiro de 1995
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A educação e o Custo Brasil

ARTHUR ROQUETE DE MACEDO

A atual conjuntura política e econômica mundial, ao demandar, dentro do processo de internacionalização, a formação de grupos regionais, impõe aos países em desenvolvimento a necessidade da busca da qualidade total com o objetivo de reduzir a defasagem industrial e tecnológica que os separa do Primeiro Mundo.
Para o Brasil, em função de seu potencial instalado, do grau de desenvolvimento de vários setores da sua economia, da sua importância geopolítica e da dimensão do seu mercado interno, este desafio esteve sempre presente.
Na atual situação, em que a economia brasileira busca a abertura aos investimentos e aos produtos vindos do exterior, há a necessidade, ainda maior, de reduzir o custo do seu setor produtivo como um dos mecanismos capazes de garantir a competitividade tanto no exterior como no mercado interno.
Políticos, intelectuais e economistas têm chamado a atenção para o gigantismo do Estado brasileiro, para as distorções tributárias, fiscais e previdenciárias, para as deficiências da infra-estrutura viária, considerando esses fatores como responsáveis, em grande parte, pelo chamado "Custo Brasil". Entretanto, a alíquota mais pesada a determinar o "Custo Brasil" é a deficiência do sistema educacional brasileiro que ocasiona uma crescente insuficiência de recursos humanos qualificados em todos os níveis e setores.
A situação da nossa educação fundamental é pré-falimentar. Relatório recente do Unicef (Fundo das Nações Unidas pela Cidadania da Infância) classifica a educação brasileira de primeiro grau como a pior do mundo.
Considerando o nosso PIB, 88% das crianças brasileiras deveriam concluir a 5ª série, mas na realidade apenas 39% o fazem, e apenas 22% terminam a 8ª série. As taxas de repetência e evasão são elevadíssimas: apenas 5% dos nossos alunos concluem a 5ª série sem repetência, e a média de permanência na escola para completar o ensino fundamental é de 12 anos. Os professores são mal qualificados e recebem salário aviltante.
Portanto, é imprescindível a reconstrução do sistema educacional brasileiro, tarefa emergencial e a ser iniciada pela recuperação do ensino fundamental –base necessária que nos falta.
A Terceira Revolução Industrial, em curso, exigirá um trabalhador não apenas bem alfabetizado ou com boa formação técnica, mas muito mais do que isto, portador de habilidade para a utilização de equipamentos sofisticados, familiarização com a informatização industrial, raciocínio lógico, iniciativa e espírito empreendedor.
Esse perfil de profissional só se conseguirá, de forma universal, com o aperfeiçoamento da escola pública de primeiro e segundo graus e com a valorização do ensino técnico.
A educação necessitará de recursos financeiros compatíveis com o desafio a ser vencido, mas exigirá também a sua racionalização e descentralização administrativa. O Brasil, além de investir pouco em educação básica, emprega mal os recursos destinados (3,3% do PIB), pois países com o mesmo nível de investimento ostentam resultados significativamente melhores.
São ainda necessários: o engajamento da comunidade nas atividades escolares; a adequação do ensino à realidade regional; o aprimoramento contínuo dos professores e técnicos; e a realização de pesquisa em educação.
Outro requisito fundamental é a incorporação da informática e da moderna tecnologia disponível (multimídia, telemática etc.) no cotidiano das nossas escolas. Mas todo esse esforço poderá ser perdido, se não for atacado um dos pontos de estrangulamento do sistema que é a questão salarial da rede pública de primeiro e segundo graus. O investimento no professor é indispensável para a reversão da atual situação.
Quanto ao ensino superior, a universidade precisa aprimorar o papel que vem desempenhando por meio do desenvolvimento das suas atividades-fim: ensino, pesquisa e extensão de serviços à comunidade, articulando-as de forma que as ações num dos setores retroalimentem o aperfeiçoamento dos demais.
Na graduação, torna-se imprescindível educar o aluno orientando-o para uma formação holística que lhe permita acompanhar o desenvolvimento científico e tecnológico e avaliar as transformações sociais em curso.
Essa formação global permitirá ao estudante da universidade pública o exercício pleno da cidadania, transformando-o em instrumento importante na luta contra a intolerância, as diferentes formas de preconceito e a exclusão social. Deve por meio da pós-graduação "stricto sensu" buscar a excelência e ao mesmo tempo promover cursos de aperfeiçoamento e especialização de modo a oferecer a possibilidade de capacitação a profissionais tanto da academia como daqueles inseridos no mercado de trabalho.
Entretanto, é nas atividades de extensão, por meio de uma parceria amadurecida e responsável com o setor produtivo estatal e privado, que a universidade pública pode e deve contribuir decisivamente para a capacitação tecnológica e o consequente desenvolvimento do país com progresso econômico e melhoria de vida da população brasileira.
É imperiosa essa aproximação, procurando ampliar os investimentos em ciência e tecnologia, hoje da ordem de 0,6% do PIB, 80% dos quais provenientes do Estado, enquanto nos países desenvolvidos a participação do setor privado para o desenvolvimento científico e tecnológico chega a 75% do total.
O diagnóstico da situação indica a necessidade, dentre outras, das seguintes ações: 1) financiamento de projetos de investigação básica e aplicada a serem desenvolvidos em parceria entre a universidade e o setor privado e estatal; 2) aumento da massa crítica de pesquisadores por meio do estímulo à iniciação científica, à criação de novos centros e linhas de pesquisa; 3) otimização dos investimentos em ciência e tecnologia por meio de priorização de projetos, do incentivo de programa de investigação científica transdisciplinares e da formação de consórcios de pesquisa entre diferentes universidades e institutos de investigação; 4) transferência tanto da tecnologia de ponta como da convencional para a sociedade, buscando a compatibilização da geração e da transmissão do conhecimento universal com o atendimento das demandas sociais.
A adoção de medidas governamentais que priorizem a educação e o sistema de ciência e tecnologia brasileira é a forma correta de construir um Brasil economicamente pujante e com capacidade para resgatar a nossa pesada dívida social.

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