São Paulo, sexta-feira, 13 de janeiro de 1995
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O analista e o deletério

LUÍS NASSIF

Há dois Delfins Nettos –o analista e o fescenino que, não raras vezes, torna-se deletério. Como Delfim não vem acompanhado de bula, frequentemente incautos acabam tomando um pelo outro.
No início do governo Itamar, o fescenino foi recebido pelo presidente e por todo o ministério, e acenou com proposta mirabolante. "Presidente, o senhor pode tirar US$ 10 bilhões das reservas cambiais e construir grandes obras", disse ele, para um grupo de juiz-foranos encantados com a possibilidade.
O presidente do Banco Central, Gustavo Loyolla, tentou timidamente alertar que era impossível, até constitucionalmente. Em vão. Delfim saiu da reunião piscando para Loyolla e para o ministro Paulo Haddad: "Os leigos gostaram da idéia". A "boutade" do deputado paralisou por vários dias o governo.
Agora, depois que o analista Delfim ajudou a impedir que a política cambial levasse o país para a breca, o pequeno demônio que o habita quer botar fogo no circo.
Tem sido sempre assim, na vida complexa de Delfim. Quando se pensa que, com seu enorme poder de análise, experiência e idade, ele poderia se converter em um desses sábios referenciais, entra em ação o espírito deletério.
Como homem conhecedor de mercado, o nobre deputado sabe que o único comportamento que não se recomenda nesses momentos de paroxismo –como na atual crise cambial– é a ansiedade.
Em vez de esclarecer jornalistas de sua relação, Delfim comporta-se como o médico que diz para o paciente: "Você está mal e algo precisa ser feito". E não informa o quê. Ficam todos exalando ansiedade por todos os poros, querendo que o governo faça "qualquer coisa" para aplacar uma crise cujo combustível básico é a ansiedade.
Por que o deputado não diz o que quer? Uma maxidesvalorização? Então apresente claramente a proposta, não fugindo da análise de seus desdobramentos. Uma máxi não apenas romperia o equilíbrio dos preços internos, como precipitaria um estouro da boiada entre os investidores externos.
O deputado critica acerbamente a acumulação de reservas cambiais, mas, ao mesmo tempo, reivindica a volta dos superávits comerciais –razão do acúmulo de reservas. Que sugira a engenharia cambial capaz de contornar esse paradoxo.
Brasil de 82
Além de apresentar críticas consistentes –mas não sugestões objetivas– à política cambial, o deputado tem alimentado jornalistas com ilações falsas entre as crises de 1982 e 1995. Em 1982, o Brasil não quebrou simplesmente porque o México quebrou antes. O Brasil já estava quebrado desde 1981, e garantiu-se até 1982 exclusivamente às custas de artifícios contábeis em seu balanço de pagamentos.
Agora, o fescenino arma uma pantomima fantástica em torno dessa história da emissão de títulos cambiais pelo BC. Sugere uma conspiração do FMI. Recomenda uma CPI, e perpetra esse feito extraordinário de se tornar a Maria da Conceição da própria Maria da Conceição Tavares.
Ninguém se tocou que era uma mera reprodução ampliada, uma vingança finíssima, em relação ao que sofreu em 1982. Só que em cima de um episódio milhares de vezes menos relevante.
No primeira metade dos anos 80, Delfim dolarizou toda a dívida pública –cerca de US$ 30 bilhões ou US$ 40 bilhões. A emissão "criminosa" do BC foi de US$ 700 milhões em cambiais –irrelevante perto do perfil da dívida interna.
Os títulos de Delfim eram de longo prazo. Sobreveio uma máxi que arrebentou com o Estado e as estatais, levando a oposição a acusá-lo de agente de uma conspiração do FMI contra o setor público, e a sugerir uma CPI para apurar o ocorrido. Já os títulos atuais são de curto prazo, e serão resgatados em março próximo, sem nenhum tostão de custo adicional em relação aos demais títulos.
Neófito em jogadas políticas, o diretor da Área Internacional do BC, Gustavo Franco, deve estar tão desolado quanto o fulano que apertou a descarga da privada na hora em que estourou a bomba atômica e ficou com a corda na mão, sem entender como uma mera descarga pôde provocar tanto barulho.
Mas quando a agitação extrapola essa briga de brancos, e começa a ameaçar a estabilidade do mercado, é hora de parar.

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