São Paulo, segunda-feira, 16 de janeiro de 1995
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Parlamentáveis

A mentira tem muitas faces, mas uma delas parece ser a mais grotesca. É quando o falso se assume como falso, situação paradoxal que por séculos ocupou até os mais renomados estudiosos da lógica.
"Estou mentindo", diz o mentiroso. Se é mentira, a confissão é verdadeira, mas então ele não está mentindo. Se é verdade que mente, então o falastrão não mente ao dizer que mente.
Os parlamentares que se dispuseram a pagar pelos serviços ilegitimamente contratados à gráfica do Senado parecem sequiosos de ocupar esse espaço paradoxal em que a fronteira entre a mentira e a candura leva a perplexidade ao paroxismo. Pois ao mesmo tempo em que se colocam à luz do dia como usuários de um serviço que lhes estava vetado, contornam a ilegitimidade tentando dar ao ardil uma aparência de normalidade, pagando pelo material impresso.
"Na dúvida se o legal é ilegal, eu paguei", afirmou o senador Alexandre Costa (PFL-MA), ex-combatente da tropa de choque collorida e, portanto, assíduo frequentador das fronteiras imprecisas entre o permitido e a permissividade. Ao confessar a dúvida, o senador coloca-se na mesma posição lógica do mentiroso que mente ao dizer a verdade e só pode dizer a verdade se estiver mentindo. É uma confissão indireta de culpa, mas numa situação em que antes de mais nada o culpado confunde o que é legal ou ilegal numa nuvem de venalidade. Aliás, esta Folha divulgou que o presidente de um TRE, que não quis se identificar, argumenta que se dará prosseguimento aos processos contra os que pagaram depois de denunciados e que o pagamento com a ação em andamento é uma confissão de culpa.
Para o cidadão, que paga do próprio bolso para que os parlamentares saibam não apenas fazer leis, mas para distinguirem com um mínimo de idoneidade entre o que é legítimo e o que não é, o episódio é vergonhoso. Como aliás têm sido vergonhosas as manobras chantagistas por parte de senadores que fazem lobby pela anistia ao presidente da Casa, Humberto Lucena, condenado na Justiça a pagar com a inelegibilidade pelo abuso de um poder que a ele mesmo caberia disciplinar.

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