São Paulo, quarta-feira, 18 de janeiro de 1995
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Livros inovaram best seller

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

O que vão pensar de Milan Kundera daqui a duas ou três gerações, lá pelo ano 2.050? Possivelmente, que ele foi um best seller mundial dos anos 1970 a 90, responsável por elevar a qualidade do gênero, dando-lhe certa densidade poética e reflexiva.
Essa verificação –Kundera é um autor de best seller melhor que seus colegas da lista de dez mais, como Sheldon, Steel e Grisham– já ninguém lhe rouba.
Mas Kundera continua sendo o dito acima: autor de best seller. Nesse sentido, cumpridor de certas requisições do gênero. Não é o grande escritor que gostaria de ser, e gostaria muito mesmo –ambição que é um de seus trunfos diferenciais.
Quem conhece sua obra ensaística –"A Arte do Romance" e "Testamentos Traídos"– pode pensar que tal ambição é antes uma pretensão. Ele, sem dúvida, sofre de mania de grandeza.
Alinha-se na tradição do romance moderno, de um Cervantes, Swift e Rabelais –que mistura várias tonalidades e andamentos (humor, meditação, trama amorosa, fundo político), sem privilégio da psicologia ou da sociologia.
Seus livros têm, assim, teor existencialista. Giram em torno da discussão da tal "condição humana", expressão cara àquela filosofia. Por esse motivo, em geral predomina em cada um deles um ânimo regular, um ritmo emocional.
Amargura, em "A Insustentável Leveza do Ser"; compaixão, em "A Brincadeira"; sarcasmo, em "Risíveis Amores"; solidão, em seu melhor livro "A Vida Está em Outro Lugar" –como se vê, sentimentos não muito saltitantes.
E seus livros extraem de uma determinada época e lugar sua força atrativa: anos 60, derrocada do socialismo no Leste Europeu.
O primeiro romance de Kundera data de 1967, quando ele tinha 38 anos: "A Brincadeira". O segundo, "A Insustentável Leveza do Ser", foi escrito em 1968, pouco depois da Primavera de Praga. Dali em diante, foi só sucesso –e a proibição de seus livros na então Tchecoslováquia.
Os dois mais vendidos –"A Insustentável Leveza do Ser" e "Risíveis Amores", que ficaram mais de dois anos na lista de best sellers do Brasil– tratam, numa frase, da condição humana sob um regime totalitário, que pratica o horror e o kitsch e tira humor e romantismo do cotidiano.
Chegamos, assim, à sétima chave do cofre Kundera. Todos seus livros convergem para uma mensagem que, se não explicitada, pontua o texto do início ao fim: apesar de tudo, vale a pena viver. Eis o que as pessoas querem ouvir –e faz de Kundera um best seller.

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