São Paulo, domingo, 22 de janeiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

México reencontra o subdesenvolvimento

ALOIZIO MERCADANTE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Fui convidado a participar de um seminário na cidade do México e acompanhar de perto a evolução da crise mexicana, que traz lições decisivas para nosso país.
A primeira é que a crise lá não é conjuntural e passageira, mas estrutural e abala os alicerces do modelo neoliberal que inspira o Plano Real e a concepção de ajuste econômico do governo de FHC.
O México foi apresentado em todo o continente como modelo, por mais de uma década a estrela dos mercados emergentes e a principal vitrine da eficácia das políticas de ajuste do FMI e Banco Mundial. Agora é a expressão do fracasso do projeto neoliberal e vive uma crise dramática em todas as suas dimensões.
O México começou a ser monitorado pelas condicionantes ortodoxas do FMI em 1976, de forma permanente em 1982 com 11 cartas do Fundo.
Na primeira fase, o governo conservador do PRI fez o ajuste clássico induzido pelo FMI, que permitiu constituir um superávit cambial de US$ 8 bilhões em 1987; reduzir o déficit público de 15% em 1982 para 0,5% em 1992; reduzir o gasto público neste período em 32,3%; cortar os investimentos do Estado em 50,8%; arrochar os salários; e reduzir a inflação de 159% para 12%.
O PIB ficou literalmente estagnado entre 1982 e 1987, para depois crescer lentamente, subordinado ao objetivo da estabilização.
A política de estabilização recessiva do FMI foi seguida à risca e acompanhada pelas chamadas reformas estruturais, incluindo a privatização de importantes setores da economia, telecomunicações e sistema financeiro.
O Estado mínimo foi imposto pelas reformas, mantidos apenas as ferrovias e o petróleo, em parceria com o setor privado em novos empreendimentos.
O sistema financeiro foi desregulamentado, permitindo total liberdade ao capital especulativo atraído por taxas de juros muito superiores às do vizinho EUA.
O México foi a experiência neoliberal mais radical, ao promover uma abertura econômica completa, com a adesão ao Nafta, seja confrontando seu PIB de cerca de US$ 310 bilhões com um PIB de US$ 5,2 trilhões.
Junto com essas reformas "modernas" teve uma âncora cambial que evoluiu de um regime de deslizamentos com banda para o câmbio fixo com uma sobrevalorização do peso, à semelhança do que está ocorrendo com o Plano Real.
O resultado político-eleitoral foi eficaz como aqui e permitiu uma vitória espetacular do eterno PRI.
A política comercial e cambial levou o país a uma dependência crescente e insustentável de capitais externos e o déficit comercial, de US$ 22 bilhões, foi acompanhado de uma dívida em Tesobonus de US$ 28,9 bilhões, com resgate em 1995; um serviço da dívida externa de US$ 9,8 bilhões e US$ 6,1 bilhões de amortizações. Um déficit de balanço de pagamentos de 7,8% do PIB.
O México quebrou quando o governo tentou uma desvalorização do peso e desencadeou a fuga de capitais externos, decretando a inadimplência cambial do país.
O novo governo mexicano perdeu credibilidade externa e sua base de sustentação social. Uma boa parcela das empresas produtivas teve suas dívidas em dólares sobrecarregadas pela desvalorização, além da alta brusca das taxas de juros, aumentando o nível de inadimplência junto aos bancos e a possibilidade de falência.
A inadimplência financeira-cambial parece que será equacionada por iniciativa do governo de Bill Clinton, que considera "o México um país estratégico para os interesses dos EUA".
A estimativa oficial é de que a economia americana poderá perder até 700 mil empregos e receber pelo menos 300 mil novos imigrantes com a bancarrota de seu parceiro comercial.
A "ajuda" econômica foi projetada para até US$ 40 bilhões. O Congresso americano, majoritariamente republicano, resiste e discute as exigências que devem acompanhar o socorro financeiro para grandes investidores americanos e que deverá incluir o aval da produção de petróleo por 8,9 anos.
Conjuntamente com a promessa de "ajuda" financeira, já está no México uma equipe de 30 técnicos do FMI e do Banco Mundial para avaliar o programa de emergência econômica. A proposta prevê uma recessão imediata, com corte na demanda agregada e intensificação do programa de privatização.
Pretende-se reduzir o déficit comercial para US$ 14 bilhões, acompanhado de uma inflação de 30%, com reajustes salariais de 4% mais os "ganhos" de produtividade que já estão sendo questionados pelo movimento sindical.
Os desdobramentos da crise nos planos social e político são imprevisíveis neste "reencontro" do México com sua condição histórica de país subdesenvolvido. O modelo neoliberal gerou um México integrado, consumidor de importados e com empregos na fronteira norte nas indústrias "maquiadoras".
Paralelamente, há um México desagregado, de desempregados, pobres e excluídos do projeto modernizador.
Mas existe também um México profundo, que resiste a esse processo. Que reivindica as raízes históricas nacionais, se expressa pelo levante dos zapatistas, na intensa mobilização popular nos Estados de Chiapas, Puebla, Tabasco e Vera Cruz, denuncia a fraude eleitoral e quer novas eleições.
Um México que não suporta mais a dominação do Estado-partido (PRI), quer o fim da estrutura corporativista oficial que impede a democracia efetiva. Um México que quer a volta da reforma agrária e resgatar o que ainda resta de soberania e dignidade nacional.
A pergunta é: até onde a experiência brasileira é diferente?
As autoridades econômicas afirmam que as reservas brasileiras, que eram de US$ 40 bilhões, afastam as sombras da crise. Mas o México tinha em março de 1994 reservas de US$ 25 bilhões, que em proporção ao PIB eram mais elevadas que as do Brasil.
É verdade que não temos uma dívida de curto prazo como os Tesobonus, mas o Banco Central já começou a lançar títulos dolarizados. Não temos déficits comerciais tão elevados. Mas o Brasil que tinha um superávit médio mensal de US$ 1 bilhão já apresenta déficit acumulado superior a US$ 1 bilhão nos dois últimos meses.
O México levou quatro anos para gerar seu megadéficit comercial, nós estamos iniciando o processo em cinco meses de Real.
O Brasil também sobrevalorizou sua moeda, abriu a economia completamente com a conformação do Mercosul e sofre uma entrada crescente de produtos importados. Os presidentes Itamar e FHC já negociaram nossa adesão ao tratado de Miami –iniciativa para as Américas 2005, sem qualquer debate com a nação.
Nós temos uma economia mais vigorosa, uma conjuntura muito mais favorável, mas são muitas as semelhanças com o processo mexicano, com uma diferença essencial: ganhamos tempo com o impeachment de Collor e atrasamos a implantação do modelo neoliberal.
O fracasso mexicano, que se estenderá para a Argentina brevemente, como já previu em julho, nesta mesma coluna, a professora Maria da Conceição Tavares, exige uma profunda mudança de rota no Plano Real e na consolidação do projeto neoliberal que se reorganizou com a vitória de FHC.
O Brasil pode se firmar neste momento, não no sentido de voltar ao modelo nacional-desenvolvimentista anterior, mas de recusar uma inserção induzida e subordinada a uma globalização assimétrica, que poderá promover também aqui uma profunda desorganização da economia e da sociedade. Nós resistimos, agora temos que construir um caminho alternativo ao modelo neoliberal.

Texto Anterior: Geral do Comércio lança CDB com seguro; Cresce faturamento do setor de cimento; Subway bate recorde de vendas no 1º mês
Próximo Texto: Juro diário é de 0,1127%
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.