São Paulo, segunda-feira, 23 de janeiro de 1995
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Para d. Luciano, TV da Igreja não será voz oficial

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Para d. Luciano, TV da Igreja não será voz oficial
Arcebispo diz que telejornal será "fotografia da realidade"; Rede Vida estréia em março
"Com relação ao posicionamento político, a linha que a Igreja tem seguido é conhecida. É a de respeito aos partidos e de respeito às posições individuais, mas de grande fidelidade ao que nós chamaríamos as exigências éticas na política".
Em março entra no ar a Rede Vida de Televisão, ligada à Igreja Católica. É parte de um amplo projeto de comunicação que inclui também uma cadeia de rádio. A rede está sendo implantada pelo Inbracc (Instituto Brasileiro de Comunicação Cristã), fundado por d. Luciano Mendes de Almeida e pelo empresário João Monteiro de Barros Filho, entre outros.
Jesuíta, arcebispo de Mariana, presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), d. Luciano diz que a rede é de "inspiração católica", mas terá programação diversificada. Para telejornais, a orientação é de "grande fidelidade às exigências éticas na política", além da busca de uma "fotografia fiel da realidade".

Folha - A idéia de uma rede católica de televisão, quando surgiu há cerca de dois anos, foi questionada por integrantes da própria Igreja, como d. Paulo Evaristo Arns. O questionamento alterou o projeto da rede?
D. Luciano Mendes de Almeida - Eu posso dizer que estive sempre presente a este projeto e era uma busca da fórmula mais adequada para o Brasil. São raras as nações que têm uma televisão diretamente católica. Então, a experiência de outros países nos obrigava a refletir, a meditar, para encontrar a fórmula justa.
Em relação ao Brasil, a emissora não pertence à CNBB ou a instâncias católicas e organizacionais da Igreja. É uma rede que pertence ao Inbracc, que é o Instituto Brasileiro de Comunicação Cristã, fundado especialmente para promover a comunicação social. O instituto é dirigido por 11 pessoas, sendo que duas foram convidadas como bispos, para integrar a direção, mas todas as demais são leigas. Assim que pode-se dizer que é uma rede de inspiração católica e não uma rede que há de expressar oficialmente a voz e a mensagem de alguma instituição católica.
Folha - No documento Igreja e Ética na TV, a CNBB questionou a "obscenidade", a "vulgaridade e atentados ao pudor", a "licenciosidade", os "programas deletérios" de "todas as redes privadas". Este documento vai direcionar a programação da rede de televisão também?
D. Luciano - Ora, nenhum de nós ignora que tem havido nas diversas emissões televisivas uma, digamos, uma falta de ética, uma falta de valores morais. Isso atinge a todos, mas de modo especial aos adolescentes, o que nos deixa com uma preocupação de ordem formativa da consciência. É evidente que essas reflexões, elas não são esquecidas e devem se transformar em critérios para que se procure uma programação adequada.
Folha - Ainda quanto à programação, como o senhor vê a relação com os telejornais?
D. Luciano - Veja, os telejornais são extremamente procurados, são momentos de grande audiência. Uma rede que queira entrar no ar deve reconhecer essa busca e tentar servir também. Evidentemente, isso vai exigir todo um preparo e uma técnica, também uma competência, que nos primeiros tempos nem sempre são alcançados. Mas é um anseio que já está dentro da programação, o de chegarmos a ter um programa de informação em nível nacional.
Folha - E como o senhor imagina o noticiário do ponto de vista cristão?
D. Luciano - Eu imagino que deve ser antes de tudo fiel, uma fotografia fiel da realidade, oferecendo às vezes algum elemento de reflexão, mas contando muito com os critérios do próprio espectador. Porque, no momento em que se projeta, suponhamos, um ato de violência, é claro que a reação será aquela de rejeição do ato de violência. Mas se, por outro lado, se coloca uma questão ainda em discussão, é claro que se pode ajudar para a elaboração dos critérios que vão proporcionar ao espectador o seu posicionamento.
Folha - E com relação ao direcionamento propriamente político dos telejornais?
D. Luciano - Com relação ao posicionamento político, a linha que a Igreja tem seguido é conhecida. É a de respeito aos partidos e de respeito às posições individuais, mas de grande fidelidade ao que nós chamaríamos as exigências éticas na política.
Folha - No livro "Cruzando o Limiar da Esperança", o papa João Paulo 2º defende o uso dos meios de comunicação para estabelecer o que ele chama de uma "nova evangelização". A implantação das redes de televisão e rádio vai na direção apontada por ele?
D. Luciano - A experiência do papa neste campo já é antiga, uma vez que ele sempre se dedicou a uma evangelização atualizada. Na sua missão no pontificado, tem-se intensificado muito a ação pelos meios de comunicação. Em primeiro lugar, pela imprensa. No nosso conhecimento, é o pontífice que mais mensagens encíclicas, cartas e reflexões tem publicado. Também a sua voz tem sido divulgada por tantos meios, pela rádio, o comparecimento à televisão é também conhecido. Essa é uma experiência pessoal.
Quanto à ação no Brasil, é certo que ela quer corresponder ao exemplo e à liderança do papa, mas ela também já existia anteriormente. São mais de 140 estações de rádio funcionando e, evidentemente, um número grande de jornais e revistas, que têm por finalidade utilizar os meios de comunicação como instrumento de evangelização. O que está agora em pauta é a abertura da rede de televisão de inspiração católica.
Folha - Entre os programas previstos está uma missa de manhã e outra no início da noite. Até onde chega ou qual é o limite desta presença diretamente católica na programação?
D. Luciano - A programação está sendo estudada e foram apresentadas propostas também de programas diretamente celebrativos e litúrgicos. Nós estamos olhando isso de uma perspectiva justa, mas que deve ser ainda colocada no conjunto das demais opções. Uma coisa é certa, para quem tem uma experiência de vida em hospitais, em casas onde há pessoas que não podem se dirigir a celebrações litúrgicas, essa apresentação pode vir ao encontro de um grande desejo.
Folha - Como o senhor vê a programação religiosa da Record? Em particular, os rituais de exorcismo, de sexta para sábado?
D. Luciano - Minha vida é uma vida muito ocupada. Eu não tenho oportunidade de assistir TV, nem 15 minutos por semana, de modo que sou um péssimo analista.
Folha - Muito se fala que o projeto da rede católica é uma reação à Record, que é ligada aos evangélicos. Como é que o senhor vê isso?
D. Luciano - Eu aceito a pergunta com naturalidade, mas o projeto da Rede Vida, em outras dimensões ou sugestões, já estava sendo tratado anteriormente. Sempre houve o desejo de um templo em que as pessoas pudessem expressar a sua fé e, particularmente, oferecer elementos de reflexão à população. A novidade está em que o grupo do senhor João Monteiro, que venceu a concessão do canal, tem aberto um espaço maior, colocou a rede inteira a serviço da família e sob a inspiração católica.
Mas não é, eu gostaria de repetir, a intenção do grupo e do Inbracc que seja ela uma rede exclusivamente voltada a programas religiosos. É uma rede que estará aberta também, na compreensão do pluralismo, a todos os valores que são realmente coerentes com a dignidade da pessoa humana. E sabendo, é claro, nas proporções devidas, oferecer também valores cristãos e mensagens católicas para muitos que estão na expectativa desta nova programação.
Folha - Com a Rede Vida, pode surgir uma concorrência com as redes comerciais, como Globo e SBT, que hoje têm programas ligados à Igreja Católica.
D. Luciano - A vontade é de somar. Não se trata de substituir, nem de entrar em concorrência, mas de oferecer mais oportunidades para que sobretudo aqueles que são da Igreja Católica possam ter um tempo maior de audiência e uma diversidade melhor de ofertas de programas. Não haverá só o programa, digamos assim, de transmissão da palavra, mas também outras iniciativas, adaptadas à criança, à juventude, aos casais, uma vez que a rede tem por intenção prioritária a família brasileira.
Folha - Em São Paulo a retransmissão vai ser por UHF, tradicionalmente de baixa audiência. Como o senhor imagina contornar essa dificuldade?
D. Luciano - Nós aceitamos com bastante objetividade que a conquista de espaço e de tempo é progressiva. O exemplo de uma televisão como a de Portugal revela que, num tempo menor do que pensavam, adquiriu-se uma boa audiência. Isso exige, não só a competência, mas a qualidade do programa, a imagem e sobretudo a capacidade de realmente interessar à audiência.

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