São Paulo, sexta-feira, 27 de janeiro de 1995
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O fim do 'achismo' na imprensa

LUÍS NASSIF

As novas avaliações sobre o início do governo Fernando Henrique Cardoso mostram, ao mesmo tempo, a vontade da imprensa de definir novos padrões de cobertura, e as dificuldades para encontrar a embocadura.
Gradativamente, vai se aceitando a redução do jornalismo de impacto na área econômica, das especulações descabidas sobre a próxima âncora ou o próximo pacote econômico e da dramatização das declarações de autoridades –o que é um avanço.
Ainda persiste um certo jornalismo de insídia –que explora declarações conflitantes entre membros do governo–, mas como extravagância de vida curta.
Além disso, pratica-se uma linha frívola e ciclotímica de avaliação de atos de autoridades.
O ministro da Saúde, Adib Jatene, limitou-se a anunciar cadastramento de laboratórios e apresentou estatísticas sobre internações em determinados municípios –levantadas pela gestão anterior, já que é rigorosamente impossível proceder-se a levantamentos nacionais com uma semana de cargo.
O da Previdência, Reinhold Stephanes, divulgou proposta de reforma do órgão –que já está em pauta há pelo menos três anos–, e relatório sobre presumíveis rombos nos fundos de pensão de estatais, que existe e já foi explorado há quase dois anos.
Sem que tivessem produzido mais nada –até pelo pouco tempo de gestão– bastou para que fossem apontados por alguns setores como "os ministros mais eficientes do governo".

Critérios de julgamento
O julgamento adequado da ação pública pressupõe dois cuidados.
O primeiro é dispor de visão estruturada sobre os novos tempos. O jornalista tem que ter claro na cabeça o novo modelo de país que se busca, o novo papel que cabe a cada instituição, as novas formas de articulação política, as idéias-força em relação à administração pública –como o federalismo, a descentralização, a despolitização da gestão pública (incluindo privatização ou conselhos sociais), as novas formas gerenciais, a inovação etc.
A partir dessa visão, torna-se fácil reconhecer projetos virtuosos, que se encaixam no novo modelo, ou condenáveis, que conflitam com ele.
Por falta dessa visão estruturada, recentemente a imprensa embarcou na CPI da Saúde, sem se dar conta que se tratava de um lobby de políticos, donos de hospitais e corporação do extinto Inamps, para recriar o velho modelo centralizador e comprometer a municipalização da saúde. Bastou um deputado espertalhão brandir a retórica do escândalo para levar no bico metade da imprensa.
Essa visão estruturada é fundamental para balizar o julgamento das intenções de governo. Avaliar a eficiência da ação pública são outros quinhentos.
Para tanto, cada ministro tem que expor claramente seus objetivos, e a imprensa precisa dispor de formas objetivas de medir sua implementação. Não se pode levar a sério ministro que se limitar a apresentar propostas generalistas, sem começo, meio e fim definidos.
A área pública é sobejamente conhecida por sua capacidade de gerar propostas que nunca são implementadas. As idéias rendem manchetes, e sua não implementação não rende suíte. Vide a gestão Aristides Junqueira no Ministério Público Federal.
Para responder adequadamente aos novos tempos, a imprensa precisa se reorganizar, montar bancos de dados com históricos de implementação de cada projeto, criar indicadores objetivos de produtividade e qualidade.
Dada a complexidade das grandes mudanças que vêm pela frente, não dá mais para julgar ações públicas baseado no velho "achismo".

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