São Paulo, sexta-feira, 27 de janeiro de 1995
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Hal Hartley cria um melodrama trágico

MARCELO REZENDE
DA REDAÇÃO

Durante as filmagens de "Amateur", que chega hoje aos cinemas de São Paulo, o diretor Hal Hartley enviou uma carta a sua estrela, a francesa Isabelle Huppert, contando que passou semanas odiando seu filme. Não pela qualidade, mas por representar uma mudança em sua maneira de fazer cinema.
Descoberto através de mostras internacionais de cinema (dois de seus filmes, "Confiança" e "Simples Desejo", foram exibidos no Brasil), Hartley chega agora, como ele mesmo afirmou em entrevista por fax à Folha, a "um melodrama trágico".
"Amateur" é o quarto longa-metragem desse americano, que possui uma relação obsessiva com o cinema europeu. E também com a tristeza e a melancolia. "Acho que a tristeza funciona como uma espécie de subtema em todos os meus filmes e que atinge seu pico de expressão em 'Amateur' ", diz.
O filme mostra a história de um homem sem memória, que conhece uma ex-freira que ganha a vida escrevendo contos pornográficos. Uma mulher que é sua única saída para conseguir descobrir seu passado.
Apesar de funcionar como uma comédia involuntária, "Amateur" empurra um pouco mais para longe o tom otimista de seus outros filmes, que, apesar da confusão e do desastre de seus personagens, guardavam momentos de felicidade quase "naif". "Eu não acredito que tenha passado por qualquer tipo de mudança, a não ser aquelas naturais, de crescer e envelhecer, ter novas experiências. Meus dois primeiros filmes eram melodramas."
Com diferenças de tonalidade ou não, o que resiste em seu novo filme são suas pequenas, quase idiossincráticas, manias. No cinema de Hal Hartley as pessoas estão sempre caindo. Não como uma metáfora, mas fisicamente.
Por um desmaio, empurrão ou um tiro. O que em "Amateur" funciona como parte essencial da história: "Eu gosto de ver pessoas caindo e, de maneira alguma, se trata de uma metáfora. Gosto de banir as metáforas de meus filmes. A diversão de ver alguém em colapso é que geralmente imagino pessoas nessa situação. Em 'Amateur', eu acho que a imagem de um homem deitado inconsciente na rua é um tipo total, mas discreto, de abandono".
Outra maneirismo é fazer com que seus personagens se interessem vividamente por literatura. A maior parte do tempo –quando não estão assaltando alguém, sendo abandonados ou fugindo de alguma coisa–, seus tipos passam horas com os olhos mergulhados em um livro.
Em seu único média–metragem, "The Surviving Desire", a primeira cena é a de um professor sendo agredido por um aluno. Com um livro. "Livros são o meio principal para comunicar os nossos pensamentos para nós mesmos e para os outros. Livros são, mais do que qualquer outra coisa, com a possível exceção da arquitetura, a maneira como estamos conectados com o passado e o futuro."
O que leva diretamente a um dos clichês sobre o diretor. Sua obsessão pelo trabalho do cineasta franco-suíço Jean–Luc Godard. O Godard dos primeiros anos. De filmes como "Uma Mulher É uma Mulher" e "Bande a Part". Ou, no caso de "Amateur", de seu primeiro longa: "Acossado".
"O filme 'Acossado' parece um longo plano sequência, considerando as circunstâncias da ação. No filme, um cara acaba levando um tiro por ser quem ele é. E por culpa de uma garota. Em meu filme, um homem é baleado por, justamente, ser confundido com uma outra pessoa, e uma garota está tentando salvá-lo. Não vejo qualquer conexão. Sobre Godard, posso dizer que ainda gosto muito de seus filmes."
Mas, se o cinema de Hartley possui uma dívida com outros cineastas (sendo a com Godard a mais explícita), a maneira que filma a cidade de Nova York remete diretamente a obra dos pintores hiper-realistas americanos. Em sua cores e enquadramentos.
Como nos quadros de Edward Hopper: "Foi algo que usei como referência em 'Simples Desejo'. Assim como o trabalho de John Singer Seargent. Outra grande referência vem do músico Elvis Costello. Suas canções eram inteligentes e universais, mas sem solenidade. O que também é algo excelente para se querer de um filme".

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Sobre a estréia de "Amateur" à pág. 5–5

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