São Paulo, domingo, 29 de janeiro de 1995
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Advogados também lutam por 'touchdown'

MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE

San Francisco 49ers e San Diego Chargers mostram hoje ao mundo que o futebol americano é o esporte que melhor combina estratégia e força bruta.
Mas o título desta temporada, caso se confirmem as previsões de massacre dos 49ers, terá sido ganho fora de campo: numa reunião de advogados no ano retrasado.
Time dominante na década de 80, os 49ers se depararam em 1993 com um desafio. Naquele ano, a NFL anunciou que limitaria os gastos dos times com salários.
Na avaliação da liga, era preciso nivelar as equipes (a NFC, uma das metades da NFL, ganhara os anteriores nove Super Bowls).
Os executivos achavam imprescindível, também, voltar a controlar os salários dos atletas (com o aquecimento do mercado, muitos times se desintegravam na época de renovar com suas estrelas).
O teto de gastos com os salários de todos os jogadores de uma equipe foi então fixado em US$ 34,6 milhões para a temporada seguinte, a de 1994/1995.
San Francisco tremeu. Por quê?
Simplesmente porque o clube torrava àquela altura US$ 45 milhões em salários. Pior: por força dos contratos, esse número iria crescer na temporada seguinte.
Os horizontes apontavam para a pulverização do elenco.
O time teria que, em um ano, cortar quase US$ 11 milhões. Seria forçado a prescindir de atletas como o quarterback Steve Young e/ou o wide receiver Jerry Rice.
Por que San Francisco não caiu?
Graças à argúcia do presidente Carmen Policy e ao bolso do generoso proprietário milionário Eddie DeBartolo.
Em vez de se descabelar para fazer demissões, Policy reuniu-se com seus advogados e arquitetou uma operação financeira sem precedentes na história do futebol americano.
O "touchdown" foi divulgado em cima do prazo estabelecido pela NFL. Pegou os outros clubes de surpresa –e de mãos atadas.
Os 49ers asseguraram-se de que a manobra seria legal e anteciparam o pagamento dos seus atletas. Isto é, engordaram a folha de 1993, ainda livre do teto da NFL.
Exemplo: um jogador que ganharia US$ 2 milhões anuais por três anos de contrato passou a receber US$ 4 milhões em 1993 e US$ 1 milhão nos anos seguintes.
São, portanto, os mesmos US$ 6 milhões. Só que adiantados.
Por razões óbvias, os atletas adoraram.
Resultado: em vez de pagar US$ 45 milhões, os 49ers terminaram 1993 desembolsando US$ 63 milhões. Com isso, reduziram os gastos nos anos seguintes e viabilizaram a permanência dos astros.
Mas nem todos os US$ 18 milhões de diferença, bancados por De Bartolo, foram descontados de contratos futuros.
Sim, porque, enquanto os outros clubes sacrificaram seus melhores (e mais caros) atletas, San Francisco foi às compras.
Entre os reforços para esta campanha: Ken Norton Jr, filho do boxeador campeão dos pesados em 1978 e bicampeão pelo Dallas Cowboys, e Deion Sanders, também atleta de beisebol e ex-Atlanta Falcons.
Sanders, condiderado o melhor cornerback (espécie de lateral defensivo) dos EUA, foi atraído pelo poder, financeiro e esportivo, do clube. Recusou US$ 17 milhões por quatro anos no New Orleans Saints e assinou com os 49ers por US$ 1 milhão anual.
Foi seduzido pela perspectiva –concretizada– de disputar o Super Bowl e pelas promessas de bônus e aumentos na renovação.
Com a manobra do San Francisco, o Super Bowl 29 coroa o que os americanos chamam de Era Wall Street do esporte mais popular nos EUA.
O nome Super Bowl surgiu em 1970, mas o jogo nasceu três anos antes, quando as duas ligas de futebol americano (NFL e AFL) decidiram promover o duelo entre seus campeões.
Mas naquela decisão (vitória do Green Bay Packers sobre o Kansas City Chiefs) não havia o glamour que cerca a final de hoje.
Por exemplo: só dois terços do Los Angeles Coliseum foram ocupados pelos torcedores em 1967. Na entrada do estádio, era possível descolar entradas de graça.
Hoje os ingressos chegam a ser vendidos por US$ 1.000 pelos cambistas. Mais de 125 mil pessoas gastarão US$ 237 milhões em Miami para assistir, ao vivo no estádio ou não, à partida. Cerca de 2.400 jornalistas participam da cobertura do evento.
E o futebol americano chegou ao Brasil.

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