São Paulo, domingo, 29 de janeiro de 1995
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A luta pela alfabetização do Brasil

MARTA KOHL DE OLIVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O chamado "Método Paulo Freire de Alfabetização" foi aplicado pela primeira vez em grande escala em Angicos, no Rio Grande do Norte, em 1963, numa experiência frequentemente citada como marco na história da alfabetização de adultos no Brasil.
Em "40 Horas de Esperança", os autores nos relatam essa experiência, em dois textos de natureza muito diversa, mas que se complementam na clara intenção de resgatar o episódio em questão.
Nos dois terços iniciais do livro, o jornalista Calazans Fernandes, secretário de Educação do Rio Grande do Norte por ocasião da experiência de Angicos, apresenta com detalhes a conjuntura política da época, localizando o episódio específico de Angicos no cenário nacional e internacional pré-1964, entretecendo essa história com os eventos mais relevantes de sua carreira como jornalista.
Pela própria natureza do relato, feito por um ator fortemente envolvido nos fatos narrados, o texto de Calazans Fernandes tem um tom apaixonado, marcado, algumas vezes, por certo ressentimento em relação a pessoas e grupos ligados a tais fatos. Palavras do próprio autor exemplificam esse ressentimento: "o recém-chegado secretário da Educação teve a cabeça colocada a prêmio dos dois lados: para o nacionalismo da esquerda exacerbada, era agente da CIA; para a direita entrincheirada, era agente comunista".
O aspecto mais interessante dessa parte inicial do livro é a profusão de informações apresentadas, articuladas de maneira a evidenciar o embate de vários interesses na produção dos fatos políticos. O leitor é levado a perceber, especialmente, as contradições entre a motivação dos educadores envolvidos nessa experiência de educação popular e as injunções nas esferas do poder local, nacional e internacional para a implantação do programa de alfabetização de adultos, que teve financiamento do governo norte-americano dentro de seu projeto de ajuda ao desenvolvimento da América Latina.
O último terço do livro foi escrito por Antonia Terra, filha de Calazans Fernandes. É como pesquisadora que a autora busca reconstituir, a partir de alguns depoimentos informais e de documentos escritos por participantes da experiência de Angicos, o processo pedagógico que lá ocorreu, a relação entre alunos e educadores, e as atitudes dos adultos em sua nova condição de alunos.
Fica para o leitor a descrição detalhada da metodologia de alfabetização proposta por Paulo Freire, informativa para quem a desconhecia. Falta, entretanto, uma recontextualização das questões pedagógicas à luz de discussões mais atuais. Afinal, 31 anos se passaram desde Angicos, e o relato descritivo, fundamental como memória da experiência, não basta ao educador preocupado com a questão da educação popular: seria importante uma análise mais densa da própria proposta educacional, uma avaliação de seus resultados e uma interlocução com o universo pedagógico contemporâneo.

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