São Paulo, domingo, 29 de janeiro de 1995
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Capitalismo sim, cassino não

À primeira vista, parece um enorme exagero a previsão feita sexta-feira pelo megainvestidor internacional George Soros de que a crise financeira aberta pelos acontecimentos no México pode criar uma "situação tipo 1929".
Afinal, o "crack" de 1929 ocorreu na Bolsa de Nova York, centro financeiro de importância incomparavelmente superior à que o México tem no cenário internacional.
Feita essa ressalva, cabe observar, de todo modo, que a inquietação que percorre o mundo sinaliza uma situação ainda mais grave do que se suspeitou nos primeiros momentos da crise mexicana.
Basta lembrar que o presidente da única superpotência restante no planeta, Bill Clinton, advertiu, na quinta-feira, que, se não se completar o pacote de ajuda ao México, haverá "graves consequências" para o próprio México, mas também para a América Latina e todo o mundo em desenvolvimento –e obviamente também para os norte-americanos que têm negócios com o vizinho do sul.
Quando um mandatário com as responsabilidades de um presidente norte-americano chega a fazer tal advertência, é porque a situação de fato é inquietante.
Se não bastasse essa constatação, há ainda o fato de que o governo japonês, habitualmente cauteloso em envolver-se nesse tipo de operações, também se mostra disposto a colocar recursos à disposição do México. E até mesmo a países como Brasil e Argentina –que mais precisam de ajuda do que podem oferecê-la a terceiros–, pede-se que também participem do pacote de socorro ao México.
É razoável supor, portanto, que a comunidade internacional acabará conseguindo montar um esquema de suporte que alivie a situação mexicana e, por extensão, impeça que a crise se espalhe ainda mais.
Mesmo nessa hipótese mais otimista, no entanto, ficam lições fundamentais, inclusive para o Brasil.
A principal das lições, de validade universal, é o risco de ficar dependente do chamado "hot money", o dinheiro especulativo que se dirige, com uma velocidade assustadora, aos países que oferecem os juros mais elevados. Esse tipo de capital, ao primeiro sinal de turbulência, foge tão rapidamente quanto chega –e deixa o país destinatário em dificuldades, maiores ou menores conforme a dependência criada por tais investimentos.
Tal lição, aliás, poderia ter sido aprendida sem a necessidade de passar pelo trauma agora evidente. O bom senso indica que atrair investimentos por meio de uma política macroeconômica sadia é muito melhor do que fazê-lo graças apenas aos juros elevados.
Agora, de certa forma, a lição é quase desnecessária. Há um razoável consenso de que a crise mexicana provocará uma forte redução no fluxo de capitais rumo aos países em desenvolvimento.
Já houve, no ano passado, uma enorme queda no crescimento do financiamento privado a tais países, conforme apontou relatório do Banco Mundial. O fluxo aumentara em 55% de 1992 para 1993, mas, de 1993 para 1994, o crescimento reduziu-se a menos de 9%. O mais lógico é supor que agora nem mesmo haverá crescimento.
O que só reforça a tese de que o fundamental é fazer bem feita a lição de casa, pôr ordem na economia e, assim, tornar-se um foco de atração para os capitais privados externos, em especial o investimento produtivo. Este é mais sadio, porque assume os riscos inerentes à atividade empresarial, em vez de buscar apenas a maior remuneração no menor espaço de tempo.
Em outras palavras, nada melhor do que voltar ao velho e bom jogo do capitalismo, em vez de continuar apostando no arriscado cassino do "hot money".

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