São Paulo, terça-feira, 31 de janeiro de 1995
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A vida não vale nada

CLÓVIS ROSSI

DAVOS (SUÍÇA) – Logo que explodiu a crise mexicana, em dezembro, a Bolsa de Valores do Peru sofreu a maior queda em cinco anos. Mas, ao explodir a crise entre o próprio Peru e Equador, a Bolsa peruana nem sequer se mexeu.
A observação é feita não por um humanista radical, mas por um economista ortodoxo, o venezuelano Moisés Naim, que hoje trabalha no Instituto Carnegie para a Paz Internacional, em Washington.
A crise mexicana não causou uma única morte. É possível até que, nos seus desdobramentos, mate de fome um punhado de mexicanos, mas não é por essa possibilidade, naturalmente, que as Bolsas em todo o mundo se comoveram.
Já no caso do conflito Peru-Equador, houve, de saída, mais de 20 mortes.
Posto de outra maneira: a cotação da vida humana nas Bolsas de Valores do mundo todo é igual a zero.
Ou, se o leitor preferir alguém mais autorizado, recorro a Tooyo Gyothen, presidente do Banco de Tóquio: "O capital não se move pelo bem-estar, mas pelo lucro", disse, com cru realismo, em palestra no Fórum Econômico Mundial.
Essa é uma das faces negras da tal de globalização da economia. Não que, antes, o mundo fosse muito melhor. Mas parece evidente que ficou ainda mais centrado em papel-moeda (ou outros papéis) do que em pessoas.
Na prática, a globalização é um assunto que diz respeito, como é óbvio, a todos os habitantes do planeta, mas é manejado por um punhado restrito deles e beneficia uma fatia também extremamente minoritária.
"O que se globalizou é a extrema desigualdade", diz, por exemplo, o vice-presidente do Conselho de Estado de Cuba, Carlos Lage.
Autoridades cubanas não são exatamente as mais indicadas para dar lições de moral ao mundo. Mas os números trabalham a favor da tese de Lage.
Afinal, os 20% mais ricos do planeta ficam com 83% da renda, deixando os 20% mais pobres com apenas 1,5%.
Nada contra a globalização, até porque é inevitável. Mas, com esses fatos e essa mentalidade, será tudo menos caminhar sobre rosas.

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