São Paulo, domingo, 1 de outubro de 1995
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o vigia da memória

LUCIANA CRISTINA DE BARROS

Boris Kossoy, 54, é professor, fotógrafo e pesquisador, entre outros títulos. Dedica-se à história da fotografia no Brasil, entre outras histórias. Escreveu -entre outros livros- "Hercules Florence 1833: a Descoberta Isolada da Fotografia no Brasil" e "O Olhar Europeu", junto com sua mulher, Maria Luiza Tucci Carneiro, lançado no ano passado e ganhador do prêmio Jabuti. Kossoy dirige a Divisão de Pesquisa do Centro Cultural São Paulo, que acaba de inaugurar a nova sede do arquivo Multimeios. Criado em 1975 como parte do extinto Idart (Departamento de Informação e Documentação Artísticas), o acervo ganhou espaço adequado para seus 600 mil documentos. São 20 anos de arte e cultura da cidade, divididos em artes cênicas, gráficas, plásticas, arquitetura, cinema, comunicação de massa, fotografia, literatura e música. Kossoy implantou também a área de pesquisa histórica. "Não se pode compreender o processo artístico e cultural se não se compreende o processo histórico de um país." L.C.B.

O Brasil continua desmemoriado?
Acho que sim. O que nos falta são referências constantes. Daqui a três anos, poucas pessoas vão se lembrar da recente batalha campal entre torcedores de futebol. Na base de tudo, existe algo que se chama educação e cultura, como primeira prioridade. A história, como mãe da ciência, nos ensina o passado do homem e nos dá esclarecimentos do que somos como decorrência do passado.
Como surgiu o projeto do arquivo?
A preservação de documentos é uma questão brasileira que, nos últimos anos, vem acontecendo. Como historiador, jamais pude imaginar que uma documentação do porte e da importância da reunida no arquivo Multimeios não estivesse preservada. Ao ser convidado para dirigir a divisão de pesquisas resolvi levar adiante esta tarefa básica.
As obras consumiram muito tempo?
A construção de arquivos apropriados para a conservação de documentos não é uma tarefa fora do comum. As obras começaram no final de junho e dia 19 de setembro o arquivo foi inaugurado. A partir de agora, essa documentação passa a ter condições técnicas de preservação.
Qual a história do arquivo?
Quando o Idart foi fundado, em 1975, fazia parte dele o Centro de Pesquisas de Arte Brasileira Contemporânea. Em 1982, com a criação do Centro Cultural São Paulo, aquele centro de pesquisas foi incorporado a ele, transformando-se em Divisão de Pesquisas. Na verdade, o que a gente faz aqui é justamente pesquisa sobre a arte contemporânea brasileira, mas o nosso cenário é a cidade.
Quais as principais características da divisão que o sr. dirige e do arquivo?
Primeiro: aqui não se recebe documentação. A pesquisa é feita e os documentos são gerados por equipes da própria instituição, a partir de uma reflexão nossa. Somos cerca de
60 pesquisadores com formação universitária específica nas áreas. Segundo: o material é preservado por essa mesma instituição.
Quais os métodos de conservação?
Diferentes tipos de suporte reúnem as informações arquivadas: fotográficos, fílmicos, sonoros, gráficos e vídeos. Cerca de 70% têm base fotográfica. E existem condições museológicas aprovadas pelas instituições internacionais como parâmetros para conservação. Umidade do ar, temperatura e poluição têm que ser controladas. O equipamento planejado para cá oferece condições perfeitas de conservação.
Quanta informação nova o espaço projetado tem condição de receber?
É coisa para muitos anos, principalmente se pensarmos do ponto de vista da informática. Com o computador e o scanner você pode ter uma quantidade enorme de informações em disco, que antes exigiriam enormes armários. O espaço necessário será cada vez menor, se bem que também preservamos o documento original, a fonte primária.
Em que passo está a informatização?
O arquivo Multimeios já conta com computador próprio, além das máquinas do Centro Cultural. Primeiro, fizemos um levantamento indicativo do acervo, que será publicado em dois meses. É o inventário documental do acervo, que deverá ser anualmente atualizado. Na sequência, trataremos da transfusão e difusão das informações via banco de dados. A idéia é informatizar até a consulta, para que num momento em que o consulente não precise ver o original, ele tenha na tela do computador as condições de saber o que está lá e tenha a referência visual.
Quem pode consultar o arquivo?
Qualquer pessoa. Mas é preferível dar antes um telefonema, porque não funcionamos como biblioteca: nosso atendimento é personalizado.
Quais são as partes que compõem a nova sede do arquivo?
Há uma câmara climatizada onde fica a documentação e três salas de apoio, que também têm as condições adequadas de preservação: sala de som, de microfilme e laboratório fotográfico. A primeira é onde as fitas do acervo podem ser reproduzidas. Na sala de microfilme, guardamos principalmente a documentação de imprensa. Os microfilmes já formam uma documentação selecionada do que sai diariamente na imprensa sobre determinada área de arte ou cultura, que a pessoa pode consultar. O laboratório foi pensado para que os negativos do nosso material não saiam -como até então saíam- da instituição para serem copiados em outro lugar, o que não se concebe.
O arquivo está ligado a instituições estrangeiras semelhantes?
Não há ligação formal, mas universidades como a Sorbonne e a da Califórnia têm perfeito conhecimento do material que existe aqui. Frequentemente recebemos consultas. Queremos difundir o mais possível o que existe no arquivo. Quando entrarmos na Internet -estamos a ponto de- essa meta será facilitada.
Que outras atividades a Divisão de Pesquisas desenvolve?
Nesse momento em que se aproxima o fim do século e em que o Idart comemora 20 anos, as equipes de pesquisa estão envolvidas numa cronologia extensiva, de 75 a 95, cobrindo todas as nossas áreas. Pretendemos publicar essas cronologias. Essa série faz parte do grande projeto interdisciplinar chamado "Referências -e referências é do que o Brasil mais precisa. Além disso, estamos trabalhando num banco de dados sobre cinema; na área de arquitetura está correndo um projeto de depoimentos dos grandes nomes do Brasil; em literatura recolhemos depoimentos dos principais produtores e escritores.
Quais são seus objetivos agora?
A conclusão do projeto "Referências, com a publicação das cronologias, é uma das metas. A informatização total de anuários e pesquisas é outra -mas precisamos conseguir mais computadores.
Por que você instituiu uma nova área no arquivo, a de pesquisa histórica?
A história fotográfica de um país está vinculada ao processo histórico. Muitas vezes se tem a idéia de que a imagem reflete um fragmento de mundo. Mas o importante é saber o que está além do fragmento, o antes e o depois, para compreender a foto. Isso se passa em todas as manifestações artísticas. Mas o problema maior com a imagem é que ela nos fascina e pensamos que ela expressa a realidade. Mas a história mostra que a imagem é fruto de uma sucessão interminável de montagens técnicas, estéticas e ideológicas.

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