São Paulo, quinta-feira, 5 de outubro de 1995
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Acusado nega atentado e desafia ministério

WALACE LARA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

O suspeito do atentado ao Itamaraty, Jorge Alfredo Lomba Mirândola, diz que possui ligações espíritas e que "estava fazendo apenas alertas que lhe foram passados telepaticamente".
O ex-oficial da chancelaria nega o atentado e desafia o Itamaraty: "Quero que eles apresentem as provas". A seguir, trechos da entrevista dada por Mirândola na 25ª delegacia de Poços de Caldas.

Folha - Foi o sr. que enviou o livro-bomba?
Jorge Mirândola - Não. Eu fiz somente um alerta mediúnico.
Folha - Como assim?
Mirândola - Isso foi obtido por vias mediúnicas. Sou médium kardecista. Recebi sucessivas comunicações de que alguém iria enviar uma bomba para o Itamaraty.
Folha - Mas então quem mandou o livro-bomba?
Mirândola - Eu não sei quem mandou. Se eu soubesse quem era essa pessoa, eu poderia saber os números que vão dar na loteria. Poderia ser milionário. Toda a semana eu ganharia (risos).
Folha - Por que o sr. mandava as cartas que continham ameaças de várias cidades?
Mirândola - Mandei várias cartas por Divinolândia, Poços de Caldas, São Paulo e Rio de Janeiro, porque estava passeando, meu amigo. A minha vida é passear.
Folha - O sr. frequenta algum centro espírita?
Mirândola - Não.
Folha - Mas então como o sr. se tornou médium?
Mirândola - Eu me tornei médium na Comunhão Espírita de Brasília, num centro grande que tem lá. Foi lá que eu desenvolvi as minhas faculdades mediúnicas.
Folha - O sr. mantém contato com qual entidade espírita?
Mirândola - São várias, nenhuma tem nome. É telepático.
Folha - Elas nunca deram o nome?
Mirândola - Elas se manifestam com nome, como também podem se manifestar anonimamente. Você não é espírita? Você não deve acreditar nisso, e sim naquilo que o padre lhe conta na igreja...
Folha - O que está em questão não é no que eu acredito, mas sim o que o sr. está tentando comprovar por meio da sua faculdade mediúnica...
Mirândola - Eu não estou tentando comprovar nada. Não é a primeira vez que eu avisei o Itamaraty que alguma coisa errada iria acontecer. Só que das outras vezes eles se aproveitaram disso.
Dessa vez eles querem me transformar de autor do alerta em autor do livro-bomba. Isso é uma piada. Porque tem que ter prova, certo? Porque senão eles vão ficar desmoralizados.
Folha - De quanto é o salário que o sr. recebe?
Mirândola - É um salário pequeno. Cerca de R$ 900,00.
Folha - Por que o sr. estava em Poços de Caldas, já que o sr. é do Rio de Janeiro?
Mirândola - Estava passeando. Nasci no Rio, mas morei em São João da Boa Vista por quatro anos.
Folha - É verdade que o sr. ficou revoltado porque teria sido demitido?
Mirândola - Até agora não me chegou a notícia de que eu tenha sido demitido. Eu continuo como oficial de chancelaria do ministério. Eu continuo na ativa.
Folha - Quer dizer que desde 1981 o sr. está afastado do emprego, mas continua recebendo?
Mirândola - Recebi meu salário normalmente até o final da Revolução de 64. Depois, quando o Collor entrou, cortaram o meu pagamento uns três ou quatro meses. Quando eles viram que eu iria voltar ao trabalho, me colocaram em disponibilidade. Passei dois anos recebendo. Depois meu salário foi cortado, e parece que recentemente voltaram a depositar na minha conta, mas não tenho certeza.
Folha - Por que o colocaram em disponibilidade?
Mirândola - Fui impedido de trabalhar, a partir de 1981, porque escrevi uma carta para o general Figueiredo, protestando contra a venda de urânio para o Iraque para a fabricação de bombas atômicas.
A partir dessa data, um grupo de embaixadores que tinha vinculação com a exportação de urânio e também com a exportação de frangos e foguetes, com a Avibrás e outras fábricas de material bélico que exportavam para o Iraque, acharam por bem me afastar do serviço para não influenciar mais o general Figueiredo no sentido de suspender o envio de urânio para o Iraque.
Folha - O sr. tem como provar essa história toda?
Mirândola - Provar o quê? O que você quer saber?
Folha - Eu quero saber se o sr. tem provas de que foi afastado de 81 até agora, que não foi demitido, que recebeu essas mensagens e que as cartas são verdadeiras.
Mirândola - Quem tem que provar alguma coisa são eles. Eu estou dizendo para você que eu sou funcionário. É só eles apresentarem o meu decreto de demissão. Eu estou dizendo para você que recebi meu pagamento regularmente durante vários anos. Então você vai na Caixa Econômica e solicita as ordens de pagamento, telefona em Brasília na agência do Itamaraty e pergunta se o titular da conta 173.506-0 sacou ou não sacou o dinheiro.
Folha - O sr. conhecia a funcionária que foi atingida?
Mirândola - Não, eu estou fora do ministério há mais de 16 anos. Agora, ela tem sobrenome judeu.
Folha - E o que tem a ver o sobrenome judeu?
Mirândola - Ali tem uma máfia de embaixadores ligados ao Iraque que não gostam de judeus.
Folha - Uma máfia de embaixadores ligados ao Iraque?
Mirândola - Ligados ao governo iraquiano, do general Saddam Hussein. Não gostam de judeu.
Folha - Quem são esses embaixadores?
Mirândola - É, por exemplo, o embaixador Eduardo Moreira Ozana, que já foi aposentado e que está num cargo especial. Ele era o chefe do departamento de administração, quando foi feito um corte no meu pagamento e que me impediu de trabalhar. Primeiro eu fui impedido de trabalhar. Depois entrei com dois habeas-corpus para ter o direito de trabalhar. Perdi os dois habeas-corpus na Justiça.
Folha - O sr. teme ficar preso?
Mirândola - Fui convidado para prestar declarações. Acho um procedimento normal. Não me surpreendi com essa história. O que me surpreende não é a acusação, mas, sim, que são acusações sem provas. Sem fundamento. No tempo em que eu trabalhava, eles diziam que eu era um funcionário relapso, mas nunca foi provado. Os meus chefes sempre gostavam de mim. Quando eu pedia para sair de uma divisão era um horror. Quando eu conseguia sair, esses chefes começavam a falar mal de mim. Tudo na vida é uma questão de provas. Agora, o Brasil é o único lugar do mundo em que o acusado é obrigado a provar a sua inocência, não o inverso.
Folha - O sr. espera que essa história fique toda esclarecida?
Mirândola - Não espero nada. Eles é que têm que provar alguma coisa. Eu estou na minha. Fiz a minha parte como médium espírita: avisei as pessoas. A Polícia Federal sabe que eu não coloquei bomba nenhuma. Se o Itamaraty afirma que eu sou o autor do atentado, é muito simples: apresentem as provas. Mandem a polícia me prender e a Justiça me julgar.

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