São Paulo, quinta-feira, 5 de outubro de 1995
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Bafo malufista

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

SÃO PAULO - Há algum tempo, Paulo Maluf tenta remodelar sua face -tanto a política quanto a própria.
À plástica no rosto e às lentes de contato correspondem a opção pelo parlamentarismo, o discurso em favor da urbanização das favelas, a conversa sobre as mudanças na saúde pública e até uma inesperada presença no show que Caetano Veloso dedicou ao Projeto Axé.
É possível que alguns incautos se deixem levar pelas aparências. Mas, como na psicanálise, a observação um pouco mais atenta pode flagrar, em alguns detalhes, sintomas do que se passa sob a maquiagem manifesta do prefeito.
Foi o que fez, por exemplo, Otavio Frias Filho, numa de suas colunas, ao notar os conteúdos autoritários subjacentes ao prestígio do mundo asiático no horizonte político de Maluf -Cingapura e congêneres vão tornando-se seus paradigmas, ainda que medidas como a proibição do fumo possam remeter aos EUA e sua correção política.
Mas a velha face de Maluf nem sempre precisa de maior esforço hermenêutico para vir à luz. O prefeito -aliás, como boa parte dos políticos- comete atos falhos históricos. O exemplo mais notável é o ``estupra, mas não mata".
Anteontem, novamente, os estratos profundos do malufismo emergiram. Dessa vez vocalizados pelo secretário dos Negócios Jurídicos (título já, por si, sugestivo): destruiu, em entrevista à rádio Jovem Pan, toda possibilidade de se relacionar -se é que alguém poderia fazê-lo- o decreto antifumo à adoção pela prefeitura de idéias politicamente corretas.
Frases do secretário: ``Eu acredito que o homem possa defender seu vício de fumar, mas as mulheres não deveriam fumar". ``A mulher que fuma perde seu perfume natural." ``Uma mulher com BTL (bafo de tigre louco), no dia seguinte a uma noite de amor, o seu amante, o seu namorado ou o seu marido tem vontade de fugir."
Responsável pelo parecer favorável às multas aos fumantes, o secretário desponta como mais um desses gênios involuntários que, como Collor e PC Farias, conseguem, num gesto, num chiste, numa incontinência verbal, pôr a nu não apenas sua própria miséria mental, mas o fundamento hipócrita e estúpido da política desse país. Congratulations, mr. Davis!

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