São Paulo, sábado, 7 de outubro de 1995
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Imprensa latino-americana erra mais

DANIELA PINHEIRO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A imprensa latino-americana, principalmente a do Brasil e a da Argentina, fornece mais informação a seus leitores do que a imprensa européia. Entretanto, ela está mais sujeita a ``derrapagens", como, por exemplo, ter de se retratar publicamente por ter feito acusações infundadas.
A análise é do argentino Juan Luiz Buchet, 45, diretor da Reporters sans Frontières (Repórteres sem Fronteiras), uma entidade não-governamental sediada em Paris (França), encarregada de denunciar crimes contra a liberdade de imprensa e a violação de direitos humanos.
Para ele, a ``concorrência desenfreada" entre os veículos de comunicação é o fator responsável pelo problema.
Com a intenção de ``furar" o concorrente (dar a informação em primeira mão), os jornais e as televisões se antecipam na divulgação de notícias, muitas vezes sem que as mesmas tenham sido devidamente investigadas.
Em entrevista à Folha, Buchet defendeu a ``moralização" da mídia, o que, segundo ele, depende também da disposição do governo de regulamentar leis de imprensa.
``Não acho que o jornalista deva esperar o acusado confessar o crime antes de escrever que ele aconteceu, mas certas normas éticas e morais devem ser colocadas à frente da lógica da venda do jornal", disse.

Jornalistas mortos
Em sua visita de quatro dias ao Brasil, na semana passada, Buchet chamou a atenção das autoridades para um dado alarmante: o número de assassinatos de jornalistas brasileiros, entre março a agosto deste ano, foi igual ao registrado na Bósnia (que enfrenta uma guerra civil) no mesmo período em 1994.
``É simplesmente impensável que um país que não tem guerra civil, nem ditadura, nem conflitos particulares, tenha um saldo de quatro assassinatos em apenas cinco meses", disse Buchet.
Considerando os números de 1994, o país só fica atrás de Ruanda (com 48 mortes registradas), Argélia (18 mortes), Bósnia e Colômbia (8) e México (5).
No ano passado, o Brasil teve apenas um caso de assassinato de jornalista registrado, em Vitória da Conquista (BA).

Relatório
O relatório da Reporters sans Frontières revela que países de situação social dramática, como a Guatemala (2), o Haiti (3) e o Iraque (3), contabilizaram menos mortes em 1994 do que o Brasil neste ano (os dados dos outros países não estão atualizados).
Ao todo, em 1994, foram mortos 103 jornalistas no exercício da profissão.
A explicação de Buchet para os assassinatos é simples: os jornalistas viraram alvo de pressão de poderes paralelos, como terroristas, mafiosos e grupos religiosos de extrema direita. ``O que é um reconhecimento dramático do poder da mídia", disse.
Segundo ele, enquanto não houver uma política eficaz de proteção aos jornalistas, essa situação vai continuar. ``Porque é muito mais difícil fazer pressão em cima desses subpoderes. Eles não são atingidos por embargos comerciais, pressão das Nações Unidas ou ameaça de ruptura diplomática", disse Buchet.
Os assassinatos dos jornalistas brasileiros neste ano aconteceram em cidades do interior: São Gonçalo e São Fidélis, no Estado do Rio de Janeiro, Barroso (MG) e Rio Verde (GO).
Em apenas dois casos, os assassinos foram identificados. Ambos esperam julgamento em liberdade. Os outros casos permanecem sem solução.
Aparentemente, todos os assassinatos tiveram motivação política. As vítimas eram proprietárias de jornais que publicavam reportagens em série contra o poder local.
Buchet estranhou o descaso da Justiça brasileira com os assassinatos. ``Ouvi várias opiniões sobre uma suposta lentidão da Justiça brasileira, mas prefiro não comentar. É certo que é obrigação da sociedade e da mídia brasileira exigir que a Justiça funcione melhor, se atualmente ela não anda muito bem", afirmou.

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