São Paulo, quarta-feira, 11 de outubro de 1995
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O apartheid vacinal

CÁRMINO ANTONIO DE SOUZA

Poucos ignoram os extraordinários avanços obtidos nos últimos anos no que diz respeito às doenças imunopreveníveis, isto é, passíveis de controle e erradicação por meio de vacinação. Em 1994, obtivemos o certificado de erradicação da poliomelite. Desde 1990 não perdemos qualquer criança por sarampo e estamos mantendo coeficientes de mortalidade igual a zero desde 1991 nessa doença.
O governo de São Paulo, em sua gestão anterior, ampliou os esquemas vacinais, incluindo a vacina tríplice viral, hoje adotada em todo o país, que visa, principalmente, a quebra da cadeia de transmissão da rubéola. Há cerca de um ano, apesar da conjuntura econômica desfavorável, iniciamos um importante programa no sentido de ampliar a cobertura vacinal com a implantação da vacina contra o Haemophilus influenza (HIB), adotada, principalmente, entre outras infecções de grande risco, no combate à meningite por HIB.
A vacina é hoje recomendada por todos os pediatras às mães com poder aquisitivo e custa, nas clínicas particulares, cerca de US$ 50,00 cada.
Nosso programa inicial visou realizar a vacinação das crianças da Febem, em idade de risco, e de algumas regiões do Estado de São Paulo, onde os dados do Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE) eram preocupantes, tais como as de Mogi Guaçu e Botucatu. A aquisição foi feita em valor dez vezes inferior ao mercado nacional e abaixo dos preços internacionais, em torno de US$ 5,00 cada.
Causa estranheza, portanto, a decisão adotada pela Secretaria de Estado da Saúde e do Centro de Vigilância Epidemiológica no que diz respeito à suspensão do programa. Com isso, na melhor das hipóteses, mais de 400 crianças deverão contrair essa doença por ano e mais de 80 deverão morrer, sem contar as sequelas que deverão ocorrer em 150 outras. A população pobre, pelas condições precárias em que vive, torna-se o alvo maior dessa doença e jamais terá condições de pagar a vacina. Os resultados internacionais favoráveis à vacinação são indiscutíveis e as entidades médicas brasileiras já a recomendam há alguns anos.
Os paulistas devem se orgulhar dos indicadores de saúde obtidos pelas campanhas e pelas vacinações regulares. A população toda sabe dessa necessidade. Sua participação em campanhas nacionais promove, talvez, os mais importantes eventos cívicos que temos, duas vezes por ano.
Por tudo isso, creio ser inaceitável a decisão de suspender o programa. Trata-se de excluir pessoas sem recursos da possibilidade de proteger seus filhos contra uma doença invasiva e frequentemente fatal. Não é justo impor mais essa exclusão. Não há justificativa econômica que explique as razões de mais esse apartheid -o apartheid vacinal.

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