São Paulo, quarta-feira, 11 de outubro de 1995
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Estuprador por acaso

GILBERTO DIMENSTEIN

Quando era diretor do Banco Interamericano de Desenvolvimento, em Washington, Paulo Renato de Souza, hoje ministro da Educação, descobriu, espantado, que gostar de roupa feminina podia ser crime. Um solene comunicado informava a todos os funcionários do banco que, a partir de então, elogiar o vestido de uma colega era "abuso sexual" -portanto, passível de julgamento por um comitê interno.
Um estudante de São Paulo ficou traumatizado porque, inocente, resolveu dançar colado ao estilo brasileiro numa festinha na faculdade. Começaram a berrar: "rapist, rapist, rapist". Ou seja, estuprador, termo alargado aqui para tudo o que signifique suposição de coação à mulher.
Se você acha que o ministro exagera ou que nosso estudante é vítima de um episódio isolado, leia um livro que acaba de ser lançado nos EUA: ``Dicionário do Comportamento Sexualmente Correto". É valiosa matéria-prima para antropólogos ou sociólogos que, no futuro, queiram relatar o comportamento americano neste final de milênio.
Se tivesse lido o texto, o estudante seria mais cauteloso. Saberia, por exemplo, que o advogado Charlens Goldstein, especializado em questões trabalhistas, afirma que dançar muito perto, mesmo com a concordância da parceira, pode ser crime se ocorrer no local de trabalho.
Os autores (Henry Beard e Christopher Cerf) pesquisaram textos e normas produzidas nas universidades, empresas, jornais, meios intelectuais e igrejas, para redefinir os limites do homem. Provavelmente, um brasileiro normal vai encarar o relato com um misto de humor e superioridade cultural.
Na Universidade da Pensilvânia, convidar uma amiga para tomar café pode ser indício de "abuso sexual". Cuidado: na Universidade de Columbia, Nova York, foi acrescentado: se, por medo da acusação de "ofensa sexual", o rapaz marginalizar uma colega e afetar sua estabilidade emocional, incorre em desvio sexista. Falar sobre o tamanho do pênis na Escola de Educação de Minnesota dá suspensão.
É feio, ou melhor, sexualmente incorreto, abrir portas para uma mulher, ceder-lhe a cadeira e oferecer-se para carregar objetos. São gestos que indicariam a fragilidade feminina diante do homem. Até mandar flores, de acordo com o livro, é, em certas circunstâncias e dependendo de como acaba a noite condenável, rotulado na categoria de "suborno sexual".
Oferecer uma bebida também é perigoso. No moderno conceito de estupro, está incluído o consentimento da mulher sob efeito do álcool. Até beijo, caso não explicitamente consentido, entra na categoria de estupro. Aliás, uma feminista define, no livro, o casamento como "estupro legalizado".
O livro mostra o esforço semântico para limpar qualquer traço sexista da linguagem. Ninguém vai tão longe como John Stoltenberg, autor da expressão "humanos nascidos sem pênis" para designar as mulheres. E "humanos que nasceram com pênis" para homens.
PS - Das ilustrações do livro, nenhuma é tão incômoda (pelo menos para um homem) do que dois dedos formando o "V" da vitória. Esse símbolo foi adaptado para comemorar o resultado do julgamento de Lorena Bobbitt, conhecida mundialmente por decepar o pênis do marido e ser absolvida. Aqui, os dois dedos se movem para indicar, ao mesmo tempo, a vitória e a tesoura.

Feminismo sério é essa campanha no Brasil para acabar com a prostituição infantil lançada no Dia da Criança. A prostituição infantil é o grau máximo da opressão que um ser humano pode enfrentar, porque adiciona ao estigma social três categorias marginalizadas: mulher, criança, pobre.

Está em expansão aqui a figura do psicólogo especializado na cura do trauma do desemprego, tantas as pessoas de classe média demitidas pelo avanço tecnológico. O choque do desemprego tem, segundo os psicólogos, o mesmo efeito da morte de um parente. As últimas pesquisas dão uma boa notícia. Após um tempo relativamente curto de "luto" (seis meses em média), muitos se recuperam e entram no mercado (com salário menor). Perdem a fixação obsessiva pelo trabalho, tornam-se mais sensíveis à vida familiar e comunitária, às artes, ao lazer.

PS - Recebi mensagens por E-mail contra comentário feito sobre o ministro José Serra. Reconheço: ele tem uma bagagem intelectual superior à média dos homens públicos brasileiros. Por seu preparo, enriqueceu o Congresso. Mas não está acima de críticas.
Nos últimos tempos suas principais previsões estavam erradas. Quis levar o PSDB ao governo Collor e pensou seriamente em virar ministro da Fazenda; previu que FHC seria um fracasso no comando da economia. Depois, disse que o Plano Real não daria certo.

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