São Paulo, domingo, 15 de outubro de 1995
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a recriadora da arquitetura

DENISE MILAN

por Denise Milan,
especial para a Revista da Folha
Mary Miss, 51, é um dos grandes nomes da arte pública (gênero que se dedica a obras de arte em espaços abertos e que ganha seminário esta semana em São Paulo). Conhecida por algumas das melhores esculturas dos EUA -entre elas a South Cove, em Manhattan-, ganhou medalha de honra do Instituto dos Arquitetos Americanos e diz que "reinterpreta" a arquitetura.

Por que escolheu a arte pública?
Por não querer fazer coisas que estivessem confinadas numa sala ou que tivessem a qualidade de objetos. Assim, nos anos 60, comecei a colocar formas no espaço aberto e a espalhá-las, como se eu retirasse dos trabalhos sua intereireza física. O que sobravam eram restos dos seus esqueletos, restos que cresceram em escala e se estender em espaços maiores.
Como era sua relação com os museus e galerias de Nova York nos anos 60?
Eu acabara de me mudar para Nova York. Levei fotos de meus trabalhos para as galerias e percebi que, sendo mulher, não teria acesso. Então, segui outro caminho: ir para fora e construir coisas por mim mesma em qualquer espaço que encontrasse.
E como é essa relação hoje?
Nos anos 80, os museus passaram a adquirir meus trabalhos. Fiz para o MoMA, por exemplo, um projeto para a entrada de uma mostra. Nele, havia espelhos dentro de todas as portas, que estavam soltas. Por causa das reflexões, parecia haver milhares de entradas. Eu reinterpreto a arquitetura.
Como o público vê suas obras?
É um público diferente do que vai normalmente a museus e galerias. Se eu não dissesse que era uma estátua ou uma escultura, mas simplesmente as colocasse ali fora, as pessoas andariam sobre as obras e subiriam nelas. Essa é uma das razões que me levaram a construir estruturas.
Como você definire seu trabalho?
Sempre pensei em mim como "fazedora de espaços" mais do que uma escultora de paisagem ou uma artista de lugares públicos. É a natureza do lugar, a reação do público, que interessa. Assim como olhamos as pontes e elas desembocam na paisagem, assim como as cidades aterrissam nos campos que as circundam, a arte pública pode redefinir o encontro entre ambiente construído e natural.
Há uma relação entre a Estátua da Liberdade e a sua obra pública South Cove, de 1988, no Battery Park City?
Quando faço um projeto, olho para o lugar e tento extrair algo, sua história, seu conteúdo físico. Neste caso a Estátua a Liberdade estava logo ali, então estudei a estrutura interna da sua coroa, muito orgânica e belíssima. Isso serviu de base para criar essa estrutura onde as pessoas sobem e andam. Tentei também conectá-la com a água e a terra.
E qual a relação com Manhattan?
Eu queria fazer um lugar onde a pessoa pudesse sentir, cheirar, tocar a água, onde pudesse até se molhar com as ondas, que é uma sensação que não se tem em Manhattan.
Como os E.U.A. vêem a arte pública?
Quando comecei, arte pública era como uma insígnia perante os edifícios, era uma jóia na frente do prédio. Nem todos os artistas sérios da época estavam voltados para ela. Só nos anos 70 artistas como Richard Fleischner e Nancy Holt apareceram e só nos anos 80 as pessoas começaram a ter mais consciência. Daí até 1995, muito trabalho foi feito nos EUA e no mundo. Muitos desses trabalhos nem são conhecidos no universo da arte, que se ateve mais a falar dos museus e das galerias.
Há relação entre um arquiteto, um artista de galeria e a arte que você faz?
Uma das coisas que me interessa é que eu posso me mover como os arquitetos. Se você é uma artista de galeria, tem que fazer a mesma coisa, ou algo relacionado a ela, a cada mostra. Não pode mudar. E eu trabalhei em coisas bastante pequenas e em projetos de planejamento de urbanização com a mesma liberdade de movimentos de um arquiteto.
Há memória na arte pública?
Quando falo de algo familiar nessas obras, acho que sim. Quando faz isso, você relembra certas coisas, mas elas são diferentes do que eram. Então você desloca a memória de uma coisa particular e leva-a para o futuro. Eu não gosto de nostalgia, mas da idéia de como você carrega a memória de um lugar para o outro.

Seminário Arte Pública. Auditório do Sesc Paulista. Av Paulista, 119, tel. (011) 284-2111. Terça, 17, a quinta, 19. Grátis.

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