São Paulo, quinta-feira, 19 de outubro de 1995
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'É inútil resistir às mudanças'

Leia a seguir a íntegra da fala do diretor de Redação da Folha, Otavio Frias Filho:

Senhoras e senhores,
Em nome da Folha de S.Paulo, gostaria de agradecer, antes de mais nada, a presença de cada um de vocês neste encontro. Ela é uma demonstração viva do interesse que o debate sobre as transformações no jornalismo e na comunicação em geral vem suscitando entre nós.
O desenvolvimento recente, tanto tecnológico como econômico, parece colocar mais uma vez em xeque o futuro do jornalismo tal como o concebemos. O impacto tecnológico já é visível e não mais depende das especulações sobre uma eventual superação do formato impresso pelo formato eletrônico.
Ainda distante no futuro, como essa superação parece estar, é fato, no entanto, que a forma tradicional começa a conviver com formas eletrônicas, suplementares e alternativas. As divisões rígidas entre informação, entretenimento e serviço desaparecem.
Ao mesmo tempo, a evolução econômica aponta para o surgimento de conglomerados cada vez maiores, cimentados pelo capital financeiro internacional. Esses conglomerados tendem a explorar todas as gamas da indústria da comunicação, cabendo ao jornalismo propriamente dito uma função apenas legitimadora da sua atividade como um todo.
Mesmo no âmbito restrito de jornais e revistas, a tendência é desfigurarem sua identidade tradicional, na luta por maiores fatias do mercado e na adesão estatística ao gosto do leitor médio. Em situações de competição intensa, as estratégias de publicidade e mercado recorrem cada vez mais à técnica de acrescentar prêmios e outros estímulos ao valor jornalístico dos seus produtos.
Ainda que fosse desejável, seria inútil resistir a essas mudanças. Elas não dependem da nossa vontade, mas de alterações irreversíveis na estrutura da comunicação. São alterações que colocam o desafio de renovar o jornalismo, de adaptá-lo às novas conjunturas, preservando, ao mesmo tempo, o que ele tem de específico e essencial.
Sabemos que ainda não alcançamos um patamar satisfatório em termos de exatidão, completude e concisão informativa.
Sabemos que nos faltam, muitas vezes, imaginação na escolha dos enfoques, responsabilidade ao lidar com reputações, que nos falta, especialmente, o hábito de nos colocarmos no ponto de vista do leitor.
Cultivamos a pluralidade de pontos de vista, aliás, mais como obrigação mecânica do que por um empenho profundo de refletir todas as facetas da notícia. Com frequência, confundimos espírito crítico com a prática da denúncia pela denúncia.
Esses são exemplos de problemas tradicionais, que continuamos a enfrentar um pouco à maneira de Sísifo no mito grego. A eles devemos acrescentar, agora, novas dificuldades. Como ampliar a autonomia jornalística numa situação em que as empresas de comunicação se diversificam, comprometendo seus interesses num elenco cada vez maior de atividades econômicas?
Como evitar que o atendimento das necessidades práticas do consumidor sufoque a dimensão analítica e cultural do jornalismo? Como manter e ampliar taxas de leitura numa civilização que é cada vez mais refratária à própria palavra escrita? Como prevenir o risco de que as publicações venham a se tornar, um dia, meros apêndices dos incentivos destinados a estimular suas vendas?
Essas são apenas algumas das questões para as quais ninguém parece ter resposta pronta ou adequada. Estamos certos de que as discussões de hoje e de amanhã permitirão, se não esclarecer, ao menos organizar nossas perplexidades diante desse estimulante panorama de incógnitas.

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