São Paulo, sexta-feira, 20 de outubro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

'Kids' - Meu filho pode assistir?

SANDRA VALLE; MARGRIT DUTRA SCHMIDT

SANDRA VALLE e MARGRIT DUTRA SCHMIDT
Hoje será lançado em circuito nacional "Kids", polêmico filme do diretor americano Larry Clark. A oportunidade é excelente para discutir a classificação etária para cinema.
Nos EUA o diretor e os produtores do filme optaram por não submetê-lo ao Conselho de Classificação da MPAA (Motion Pictures Association) por acreditarem que o filme obteria uma classificação considerada "pesada" -inadequado para menores de 17 anos.
Lá é facultada essa opção já que a classificação não é obrigatória. Aqui a Constituição Federal dá competência à União para fazer a classificação dos filmes e o Estatuto da Criança e do Adolescente quase que a torna obrigatória. O Ministério da Justiça, por meio do Departamento de Classificação Indicativa -subordinado à Secretaria de Justiça- é o órgão encarregado da classificação de filmes para cinema, vídeo e TV.
Mas os exibidores não controlam as portarias dos cinemas, os distribuidores não submetem os filmes à classificação e os pais, em geral, diante da permissividade sistêmica, acabam por não se preocupar. Será mesmo que não se preocupam?
O Estado tem um papel bastante limitado: realizar a tarefa preventiva de classificar por faixas etárias -livre, 12, 14 e 18 anos. O que é muito bom, pois não achamos que o Estado deva impor um padrão absoluto de valores, o que era a ação da censura -da qual não temos a menor saudade. Por outro lado, não construímos um sistema pelo qual a sociedade possa se responsabilizar. O autoritarismo da censura foi substituído pelo comodismo da permissividade. Será que é cômodo mesmo? Se não é, o que incomoda?
A nós, do Ministério da Justiça, incomoda e por isso estamos empenhados em modificar a situação atual de inércia. Não se pode discutir com moralismo extemporâneos e liberalismos pseudo-desinteressados. Estamos dispostos a enfrentar essa discussão em toda a sua extensão e consequências. Percebemos que a sociedade também se incomoda com a atual situação de permissividade -por meio de manifestações diretas, de cartas ou por intermédio da mídia.
"Kids" é um bom exemplo e uma boa oportunidade porque trata de adolescentes e os mostra em situação de degradação física e moral, quase com naturalidade, quase com o realismo de um documentário. Choca, mas, talvez por essa razão, deva ser assistido principalmente pelos pais, os responsáveis pela formação das crianças.
Estamos conscientes de que o Estado jamais poderá ter critérios perfeitos para julgar, permitir, excluir esse ou aquele filme ou obra de arte. Pode e deve ter um papel educativo e preventivo. Informar para que os pais possam escolher e aprender de acordo com seus valores culturais e religiosos o que é adequado para seus filhos.
É importante fomentar a criação de um sistema de parceria entre os cidadãos consumidores e os produtores de cultura, diversão e arte para que se respeitem os limites e os direitos de cada um. É preciso estimular o debate e inovar na abordagem. Por exemplo: será que as faixas etárias definidas na Portaria 773/91 do Ministério da Justiça (livre, 12, 14 e 18 anos) são suficientes ou adequadas?
No caso do filme "Kids", entendemos que não. O filme pode servir como elemento de aproximação entre pais e filhos. O diretor Larry Clark levou seu filho de 12 anos para ver o filme: "Ele gostou e começamos a falar sobre coisas que antes não conversávamos. Ele aprende na escola sobre sexo e drogas e conversamos sobre isso pela primeira vez."
Nesse sentido resolvemos inovar indicando a faixa etária de 16 anos, sendo que menores de 16 anos poderão assistir ao filme acompanhados pelos pais, por meio de acordo proposto pelo Ministério da Justiça e firmado com os distribuidores do filme no Brasil. Partimos do princípio que aos pais cabe a responsabilidade maior e ao Estado o dever de informá-los e garantir que as regras sejam cumpridas.
Desde o início do novo governo já conseguimos algumas vitórias. Quase todas as emissoras de televisão passaram a anunciar antes de filmes e novelas a classificação para que os pais sejam informados.
No caso das TVs por assinatura já demos início à discussão com as operadoras. O objetivo é que as revistas de programação informem a classificação etária. Outra idéia seria implantar dispositivos eletrônicos que permitam aos pais ou responsáveis o controle do acesso ao que considerarem inadequado para seus filhos.
Precisamos, Estado e sociedade, encontrar o meio termo, o ponto de equilíbrio entre a inaceitável censura e a indesejável permissividade.

SANDRA VALLE, 48, é secretária de Justiça e MARGRIT DUTRA SCHMIDT, 37, é diretora do Departamento de Classificação Indicativa, ambas do Ministério da Justiça.

Texto Anterior: Câmara afasta o prefeito de Amambaí
Próximo Texto: Polícia prende acusado de assassinar estudante
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.