São Paulo, sexta-feira, 20 de outubro de 1995
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Sem diretrizes e bases

JOSÉ CARLOS DE ALMEIDA AZEVEDO

O Brasil corre o risco de continuar subdesenvolvido. O leitor sabe que há no Congresso dois projetos sobre diretrizes e bases da educação; o do senador Darcy Ribeiro deve ser aprovado, apesar de nada ter a ver com esse assunto.
Não há quem ignore que, dentre os graves problemas que afligem a educação nacional, há os seguintes: baixíssima matrícula no 2º grau, que deveria ser quase o triplo da atual; reduzida matrícula no 3º grau, que deveria ser umas duas vezes maior; inexistência de plano de carreira docente que valorize o mérito e vincule o salário mais alto da rede pública de 1º e do 2º graus ao de professor universitário do nível de adjunto, por exemplo. Que há empreguismo nas universidades públicas. Que há atraso não inferior a dois anos no preparo intelectual de nossos alunos em relação aos dos países desenvolvidos.
Os currículos estáticos e defasados em vigor neste final de século em que a tecnologia muda tudo em uns 20 anos nada deixam a esperar do futuro do Brasil. Acresça-se a politicalha na educação que desvaloriza os competentes em favor dos que usam instituições de ensino como auditório cativo para vender ambições pessoais, até de natureza política e não raro escusas.
Some-se a isso o garroteamento da escola particular que a leva a cerrar as portas ante a saturnal de leis que a impede de crescer e de aprimorar-se; em um país em que o poder público andou até financiando motéis, a iniciativa particular vive de mensalidades, controladas pelos que melhor fariam se cuidassem das instituições públicas. Quando isso ocorrer hão de ver que sobreviverão apenas as boas escolas particulares, tal como em países desenvolvidos. De nada disso cuida o projeto em questão.
A título de ilustração relembro que o senador nada tem a ver com a criação da UnB, mas por ela foi aposentado há dez anos sem direito -e tenho a certeza de que ele, intelectual distraidíssimo, nem sabe disso. A UnB foi criada por Vitor Nunes Leal, Oswaldo Trigueiro e Juscelino Kubitschek, assessorados por Cyro dos Anjos; o primeiro foi seu maior entusiasta e aqui descabe revelar sua conversa final com o então presidente sobre a criação da Universidade da Virgínia por Thomas Jefferson.
Vitor e Cyro reuniam-se nas residências dos ministros Cândido Lobo e Nelson Hungria. Certa feita Vitor pediu ao seu amigo Ronald G. Levinsohn que lhe trouxesse dos EUA o que lá encontrasse sobre universidades; Levinsohn relatou o fato ao ilustre advogado norte-americano Fowler Hamilton, criador da Aliança para o Progresso, que mandou para Vitor Nunes todos os livros que possuía sobre o assunto.
O senador Ribeiro foi o primeiro reitor, por poucos meses, e lá não deixou vestígio qualquer de sua passagem, levando-o a reescrever a história e a publicar regularmente desde 1991 a custosa revista "Carta", com mais de 400 páginas, na gráfica do Senado Federal e distribuída de graça.
No 14º exemplar da revista, cuidadosa impressão repleta de fotografias, com o título "A Invenção da Universidade de Brasília -1961-1995", o modesto e veraz senador enaltece seus invisíveis feitos, mas omite o trabalho dos que, desinteressadamente e ao longo de 18 anos, construíram toda a UnB, evitaram que fosse fechada, equiparam-na, institucionalizaram-na e lhe deram projeção internacional: Caio B. Dias, Amadeu Cury e este modesto escriba, que também a deixaram sem dívida e com US$ 10 milhões em caixa.
Antes deles a UnB nunca existiu, exceto na cabeça de mitômanos e beneficiários. Depois deles seu patrimônio foi dilapidado, virou cabide de emprego e acaba de anunciar (8/10/95) que vai fechar as portas, apesar dos esforços do atual reitor, que a herdou falida dos seus dois últimos antecessores. Só a dívida trabalhista vai a R$ 95 milhões.
As fraudes nas universidades públicas; as aposentadorias imorais, algumas contando o mesmo tempo em dois órgãos públicos; a dilapidação do patrimônio; os enquadramentos e as promoções sem mérito; as indenizações vergonhosas e legalmente indevidas; as greves sem fim; o assembleísmo e o corporativismo infrenes e a valorização da mediocridade, tudo isso também continuará se for aprovado o projeto lírico-bucólico do senador Ribeiro, surfista da educação que não entende do que pontifica, que não mede esforços para transformá-lo em lei, como se acreditasse em metempsicose e fôssemos todos ignorantes.
Castelo é o personagem do conto de Lima Barreto, "O Homem que Sabia Javanês". Andava desempregado no começo do século quando leu anúncio no "Jornal do Comércio" de alguém que procurava um professor de javanês naquele Rio de Janeiro "imbecil e burocrático". Sabido, foi ver o que era e, sem conhecer uma só palavra dessa língua, tornou-se amigo do dr. Manoel Feliciano Soares Albernaz, barão de Jacuecanga e, em infindáveis serões, lhe "traduziu" o livro que herdara do pai.
Graças ao barão Castelo entrou para a diplomacia, foi homenageado na Europa porque também dizia lá que falava tupi-guarani. Representou o Brasil em congresso em Paris, foi amigo do presidente da República, então dita dos Estados Unidos do Brasil, e cônsul em Havana, Cuba. Virou glória nacional e, ao voltar ao Brasil, foi recebido apoteoticamente no antigo cais Pharoux. Toda a sociedade lá compareceu. Gregos e goianos foram lá aplaudi-lo.
Qualquer semelhança com pessoas muito vivas é mera coincidência.

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