São Paulo, sexta-feira, 20 de outubro de 1995
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Eu só queria entender

Clóvis Rossi
SÃO PAULO - A reforma administrativa não tem como uma de suas justificativas reduzir o empreguismo excessivo nas administrações públicas? Então, por quê o governo acena com empregos (públicos, claro) para que os recalcitrantes aprovem a reforma que visa reduzir o número de empregos públicos?
O governo não tem como meta reduzir ou até eliminar o déficit público?
Então, por quê o governo dá de presente aos agricultores endividados esse pacote de refinanciamento, que será bancado pelos cofres públicos?
Aliás, no caso dos agricultores, há uma segunda questão, digamos, interessante. O pessoal da lavoura, como se sabe, não é o único pendurado em dívidas. O próprio presidente Fernando Henrique Cardoso já disse, uma e outra vez, que setores da classe média figuram entre as vítimas do Plano Real.
Motivo: os preços de serviços, não-sujeitos à concorrência de importados, subiram muito e encalacraram em dívidas uma fatia da classe média.
Logo, por uma questão de isonomia, deveria estender-se o esquema oferecido aos agricultores também aos demais inadimplentes.
Ou será que estes só serão atendidos se criarem um novo movimento, o dos sem-bancada? Afinal, não foi com a bancada ruralista que se negociou o acordo de refinanciamento das dívidas do setor?
Vá lá que o governo atendesse os agricultores, que foram de fato punidos por uma série de fatores, todos associados direta ou indiretamente ao Plano Real.
Mas o discurso da austeridade fica comprometido seriamente. Afinal, vai-se perdoar o pedaço da dívida correspondente às punições financeiras por atrasos nos pagamentos. Dá entre 20% a 25% dos R$ 7 bilhões que serão refinanciados (de R$ 1,4 bilhão a R$ 1,7 bilhão).
Se o argumento é que o Banco do Brasil (que concentra a esmagadora maioria dessas dívidas) no fundo ganha porque o pessoal não ia pagar mesmo, está se entrando no pantanoso terreno de premiar o caloteiro. O que equivale a chamar de trouxa quem paga em dia.

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