São Paulo, domingo, 22 de outubro de 1995
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A diarréia reformista

OSIRIS LOPES FILHO

O governo federal já pode se considerar vitorioso na discussão no Congresso Nacional de sua proposta de reforma administrativa.
Não está em debate a sua incapacidade de aperfeiçoar os serviços públicos no país, que, como todo mundo sabe, são da pior qualidade. Desviou-se o problema.
A se manterem a atual tendência e empenho governamentais nessa matéria, a única alteração qualitativa que vai ocorrer é passar do pior ao péssimo.
Vem governo, vai governo, as mudanças que se fazem são só na lei.
Saíram os bacharéis das assessorias governamentais, vieram os tecnocratas, continua-se com a mesma vocação legislativa irreversível.
Todo ímpeto, todo o engenho é para produzir e mudar as leis. O deputado Roberto Campos (PPB-RJ) já denominou essa volúpia normativista de "diarréia legislativa".
Da "diarréia reformista", que consome as energias do governo, o que vai sobrar nem sequer poderá ter valor fecundante, que se obtém de determinados excrementos, que se tornam fertilizantes.
O que se há de esperar é que o odor putrefato dilua-se rapidamente, não em benefício do desaparecimento desse marco da incompetência, mas como profilaxia ecológica.
Numa época em que os empregos escasseiam, pela lógica perversa do Plano Real, a garantia de estabilidade para o servidor público passou a ser considerada odioso privilégio, não mais árdua conquista típica do Estado de Direito.
A péssima gestão estatal na área financeira passou a ser culpa do excesso de funcionários públicos.
Os marajás sempre denunciados continuam impávidos, intocáveis nos seus privilégios. São estigmatizados, vilipendiados, apenas nas campanhas eleitorais. Falta vontade política e jurídica de colocá-los nos limites de remuneração previstos na Constituição.
Falta também competência jurídica, para a defesa dos legítimos interesses públicos.
O Supremo Tribunal Federal, que termina julgando no final todas as questões constitucionais, tem dado demonstrações de que não compactua com as maracutaias e panamás que as elites estaduais e municipais foram praticando ao longo do tempo. Os tetos de remuneração estão previstos na Constituição. Cumpre fazê-los valer.
Afora as reformas constitucionais, arrocho no crédito bancário a empresas e pessoas físicas, taxas de juros altas, inexistência de investimentos produtivos, viagens presidenciais ao exterior, pouco tem feito esse governo que aí permanece, numa inoperância angustiante.
Está certo, omiti a atração que se está fazendo do capital estrangeiro, oferecendo-se de bandeja investimentos nas áreas desestatizadas. É verdade. A omissão é imperdoável, pois se trata da grande realização governamental. Pena que a alegria que se deu foi ao capital estrangeiro e não ao povo brasileiro.
Dizem os arautos governamentais que a época é de flexibilização. Tempo de renúncia à posição ereta do homem e acomodação para curvar-se, rebaixar-se.
Tudo bem para quem se empolga com tais posturas. Mas essa não é a conduta que o povo vai adotar.

OSIRIS LOPES DE AZEVEDO FILHO, 56, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro na Universidade de Brasília (UnB) e ex-secretário da Receita Federal.

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