São Paulo, domingo, 22 de outubro de 1995
Próximo Texto | Índice

Iraque não é mais potência regional

JOÃO BATISTA NATALI
ENVIADO ESPECIAL A BAGDÁ

Mansur tem 34 anos e um emprego público. Terça-feira, às 10h30, ele procurava com aflição uma carona no começo da ponte Al Mulakh, uma das que cruzam o rio Tigre, no centro de Bagdá.
Sua mãe, diabética, estava novamente a ponto de entrar em coma, e o Iraque não tem mais dinheiro para importar insulina.
Os problemas de Mansur não param aí. Seu irmão, hoje com 40 anos, era em 1986 tenente do Exército e perdeu as duas pernas na guerra com o Irã.
Recebe uma pensão de 600 dinares por mês (US$ 2,00) e morreria literalmente de fome se não fosse a ajuda da família, que por sua vez tem o básico de sua alimentação nas mil calorias diárias (2,5 vezes menos que o necessário) consumidas por meio dos tíquetes de racionamento.
Sábado, há oito dias, em Abin Autba, um dos bairros construídos nos bons tempos dos "petrodólares": a fila se forma diante do posto de distribuição de alimentos. Uma mulher de uns 40 anos, xiita e toda de preto, quase agride um funcionário ao acusá-lo de ter entregue menos farinha de trigo que o previsto por seus tíquetes.
Fora do racionamento, os preços são proibitivos, numa economia em que um comerciante de classe média ganha US$ 100 mensais. Um quilo de café custa US$ 46,00, a dúzia de ovos ou 80 gramas de mel, US$ 6,00.
Barato, só gasolina. Com US$ 1,00 no câmbio oficial dá para comprar 1.500 litros. Um pneu sai por US$ 100 no mercado negro.
Desde 1990, os salários subiram 200 vezes, e a comida, até 8.000 vezes. Não se sabe, em média, qual foi a inflação. O equivalente iraquiano do IBGE não publica índices há 15 anos, "para não dar informações aos inimigos".
Em 79, quando Saddam se tornou presidente, o país tinha reservas de US$ 45 bilhões. O quadro já estava invertido em 88 -dívida externa de US$ 74 milhões-, no fim da guerra com o Irã.
Veio a Guerra do Golfo e o embargo comercial. Por causa dele, a única fonte externa de renda está nos 90 mil barris de petróleo (US$ 1,3 milhão) exportados diariamente para a Jordânia. O Iraque pode exportar 44 vezes mais que isso.
A crise de dinheiro é tão grande que o regime cobra interurbano internacional em dólar dos visitantes estrangeiros e instituiu uma espécie de "pedágio da Aids" que arrecada US$ 50,00 por cabeça.
O pedágio funciona em uma das barreiras da estrada que liga Amã (Jordânia) a Bagdá, único acesso depois que o regime rompeu com os quatro outros vizinhos.
Um dos adjuntos de Saddam, Tareq Aziz, acusou a ONU, na terça, de fazer o jogo dos EUA ao manter o embargo e negou que o Iraque estoque armas químicas.
Aziz falou a jornalistas estrangeiros no Centro de Conferências, um prédio moderno e de linhas arredondadas. Local privilegiado: nenhuma lâmpada queimada, groselha e café na lanchonete e papel higiênico no banheiro.
Depois de três dias em Bagdá, no início de outubro, ele disse que as armas crescem em número e também se sofisticam. Há um novo gás que provoca gangrena e um outro que faz os olhos sangrarem.

O jornalista JOÃO BATISTA NATALI esteve em Bagdá a convite do governo do Iraque

LEIA MAIS
Sobre Iraque à pág. seguinte

Próximo Texto: Rebeldes massacram 66 no Sri Lanka; Paris vai ter latas de lixo antiexplosivas
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.