São Paulo, segunda-feira, 23 de outubro de 1995
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Globalização e política econômica

ANTÔNIO CORRÊA DE LACERDA

O processo de globalização em curso na economia mundial, intensificado a partir dos anos 80, tanto traz aspectos positivos do ponto de vista da integração econômica, política, social e cultural, quanto desafios para as estratégias dos países na condução das suas políticas. A globalização levou a uma diminuição do poder dos Estados nacionais e tornou mais frágeis os instrumentos de política macroeconômica.
No entanto, a despeito da precariedade das ferramentas de política econômica para fazer frente ao espetacular volume e volatilidade dos capitais, em nível internacional, é preciso uma política econômica. A autonomia das políticas cambial e monetária é fundamental, enquanto mecanismos de amenização dos efeitos dos movimentos bruscos de entrada e saída de capitais. Da mesma forma, a política industrial é imprescindível para conduzir um projeto eficiente de abertura externa, vinculado a objetivos estratégicos de desenvolvimento.
A diminuição da eficácia das políticas econômicas nacionais frente ao processo de globalização não significa que não se deve adotá-la. Pelo contrário, a crescente e cada vez mais rápida movimentação de capitais facilitada pelos recursos de telemática, que tornou os mercados interligados on line 24 horas por dia, intensifica essa necessidade. Nesse sentido, para ficar no âmbito da América Latina, vale o contraponto da experiência mexicana com a chilena.
Enquanto o México acumulou contínuos déficits na balança comercial, que implicaram crescentes saldos negativos nas contas correntes, que o fizeram refém dos capitais especulativos de curto prazo, o Chile implementou mecanismos de controle do capital especulativo e, mais do que isso, evitou depender do aporte desses recursos para fechar as suas contas externas.
Ressalvando-se as diferenças entre as economias do México, Chile e Brasil, sempre há o que se aprender com a experiência alheia. Se não para o que se fazer, pelo menos para o que não deve ser feito.
Para o Brasil, dada a atual conjuntura internacional, os dois casos servem de importante parâmetro para o delineamento da política macroeconômica e também para a definição de uma política industrial.
A primeira questão é que a abertura da economia não deve ser um fim em si mesmo, mas um meio de obtenção de maior competitividade no mercado e como instrumento de ampliação da oferta.
A segunda é que não depender de capitais de curto prazo -evitando os déficits comerciais contínuos e atraindo investimentos estrangeiros produtivos- é importante fator de estabilidade interna.
O merecido Prêmio Nobel de Economia conferido a Robert Lucas, pela aplicação e desenvolvimento da teoria das expectativas racionais na macroeconomia, suscitou a questão da "morte do keynesianismo e, portanto, das políticas econômicas implementadas pelo Estado.
Erroneamente, muitos apontam os "tigres asiáticos" como exemplo de não-interferência das políticas econômicas no mercado, mas uma análise mais detalhada da questão mostra justamente o contrário, ou seja, uma saudável e inteligente combinação de políticas macroeconômica e industrial.
Da mesma maneira que o intervencionismo exagerado leva a distorções, é ingenuidade supor que as "forças do mercado" são capazes de promover o desenvolvimento, em especial de uma economia tão complexa e desigual como a brasileira.
As experiências bem-sucedidas dos países que têm experimentado saltos de desenvolvimento mostram que é preciso compatibilizar a liberdade de mercado com políticas econômicas ativas. O debate tem sido prejudicado ora pela superficialidade da análise, ora pela excessiva ideologização. A globalização é inexorável e, muito provavelmente, irreversível. Mais do que uma ameaça aos Estados nacionais, representa um desafio e também uma chance para queimar etapas no desenvolvimento. A pior situação é não ter estratégia em meio a esse processo e ficar a reboque da questão. É preciso definir claramente aonde se quer chegar para tomar o caminho mais adequado. Afinal, nenhum vento sopra a favor de quem não sabe para onde quer ir (nem o das "forças do mercado"!).

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