São Paulo, terça-feira, 24 de outubro de 1995
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'O Quatrilho' desfruta o ritmo da paisagem

ARNALDO JABOR
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

"O Quatrilho" é um filme de amor. Mas, além do amor, ele espraia um outro amor pela terra do sul, pelos gestos dos camponeses do início do século, pelo trêmulo esforço de fixação dos colonos na terra. A beleza do filme vem deste ritmo sereno que os personagens têm, quase o ritmo da paisagem. Há um lirismo telúrico onde pessoas e plantas parecem iguais.
Mais que um filme psicológico, é um filme antropológico, mais que um filme regionalista, é sobre a importância das regiões brasileiras. Talvez seja o primeiro grande filme sobre degredados. A influência italiana dos imigrantes de Vêneto, evocada no sotaque que nunca lembra os italianismos caricatos da TV, é uma música a mais desta pastoral que "O Quatrilho" é.
É um filme figurativo, sim. Jeito clássico, calmo, sem as neuroses típicas dos mestiços do litoral. A luz é impressionista, e a imagem realista sim, sem delírios alegóricos ou alusivos, e consegue ser uma "oportuna retomada do convencional", como costumava dizer Paulo Emilio. Só que nesta adesão ao claro, ao legível e ao simples não vai nenhum elogio ao acadêmico, mas sim um imenso amor ao óbvio brasileiro, que como dizia Nelson, só os profetas enxergam. "O Quatrilho" é o novo início figurativo do cinema brasileiro e começa como tudo começou: da terra e das plantas. O cinema brasileiro está também naquela época, com alguns colonos pioneiros reinventando uma cultura.
A espantosa competência de alguns novos filmes, como "Carlota Joaquina", como este, como o "Tieta" que está pintando como o grande filme do Cacá Diegues, demonstram que a terrível crise (que ainda não passou), desde o assassinato cultural de Collor e Ipojuca, tenha sido útil para botar os cineastas em contato com a realidade a desenvolver, em vez de ficarem na melancolia de um fracasso paternalizado pelo Estado. O mundo é duro como a realidade do sul para os colonos, mas sem olhos abertos para um realismo originário, qualquer delírio será ridículo e supérfluo.

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