São Paulo, quarta-feira, 25 de outubro de 1995
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O risco é a essência do magnífico Ajax

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Nem me lembro quando senti essa sensação que só os memoráveis esquadrões do passado costumavam transmitir: a certeza de que, por mais adverso que seja o placar, a virada será inevitável.
Aquele Palmeiras x Grêmio, por exemplo, foi assombroso. O Palmeiras, precisando fazer uma quina num rival cuja defesa parecia intransponível, tomou, logo de saída, um gol que desmontaria qualquer um. Não o Palmeiras, naquela noite mágica, que partiu para cima do Grêmio e construiu, com fibra e talento, a goleada histórica, embora vã. Mas tudo ali foi surpreendente, maravilhoso, inesperado.
Portanto, não é a isso que me refiro. Reviro a memória e logo me assoma a imagem do Santos de Pelé, que, ao pisar o campo, já determinava o resultado do jogo. Podia sair perdendo de dois, três gols, e o que se esperava, como uma regra da natureza, era a virada, com sobras.
Pois foi a sensação que tive domingo diante da TV, quando o Feyenoord, em sete minutos, já vencia o Ajax por 2 a 0.
Antes é preciso explicar que lá estavam, em Roterdã, casa do Feyenoord, pois não dá para transpor até nós a rivalidade entre eles. Mal comparando, é como um paulistas x cariocas dos velhos tempos.
Além do mais, era um jogo decisivo para o Feyenoord, que assistia impassível à disparada do Ajax na ponta da tabela: em 9 jogos, 27 pontos, nenhuma derrota, nem sequer empate, 33 gols, marcados e -pasmem!- nenhum tomado. Isso na terceira ou quarta maior força do futebol mundial nos últimos 25 anos.
Pois bem: 2 a 0 para o Feyenoord, em menos de sete minutos. E a bola está com o Ajax. De Blind para Bogarde, que entrega a Ronald de Boer, que toca para Davids, todos de cabeça erguida, nervos sob controle absoluto, passes corretos, em busca do tempo e do espaço certos para a investida fatal. Era como se nada houvesse acontecido. E nada aconteceria, a não ser de acordo com os desígnios determinados pelos jogadores do Ajax.
Eles perdiam de 2 a 0, na casa do inimigo, para seu maior rival, e tocavam a bola como se fossem os senhores do campo e do tempo. E o Feyenoord ali, fechadinho, atento na marcação, feroz na busca da bola. De repente, aos 13min, súbita aceleração, abre-se um espaço por onde penetra Overmars, o cruzamento e o gol.
Bem, para resumir, aos 38min do primeiro tempo, o placar registrava o inevitável: Ajax 3 a 2. Ao cabo do hipnótico espetáculo: 4 a 2, mais duas bolas na trave e uns três gols feitos desperdiçados. Claro que o Feyenoord também teve suas duas ou três chances perdidas, mas isso parece estar computado no plano de risco que é a essência desse magnífico Ajax.
Não conto essa história para meter medo nos meus amigos gremistas, não. Mesmo porque esta será a maior arma do Grêmio em Tóquio. E quem me confidenciou isso certa vez foi simplesmente Johan Cruyff: eles só não conhecem o medo quando nos enfrentam.

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