São Paulo, quarta-feira, 25 de outubro de 1995
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Troca-troca

ANTONIO DELFIM NETTO

O endividamento de Estados e municípios é extremamente grave e coloca em risco todo o programa de estabilização. De fato, as últimas informações disponíveis mostram que as despesas com pessoal e os demais custeios da União, Estados e municípios cresceram de 9,2% do PIB para 15,4% entre 1984 e 1994.
Como o PIB cresceu cerca de 30% no mesmo período, isso significa que o dispêndio com o pessoal e os demais custeios dos três níveis de governo cresceram, portanto, 120% em termos reais nos dez anos: um crescimento médio de 8% ao ano.
A Constituição de 1988 regulou claramente que a investidura em cargo ou emprego público depende de concurso público (art. 37). Nas disposições transitórias (art. 18) ela extinguiu os efeitos jurídicos de qualquer dispositivo que, a partir da instalação de Assembléia Nacional Constituinte, tivesse concedido a estabilidade a servidor admitido sem concurso.
No art. 19 das disposições transitórias ela concedeu estabilidade aos servidores que, admitidos sem concurso, tivessem cinco anos de exercício continuado na data da sua promulgação (5 de outubro de 1988).
Ora, o fantástico inchaço das despesas de pessoal se deu a partir de 1985. É muito provável, portanto, que número significativo de servidores esteja protegido pela estabilidade.
Houve, ademais, indiscriminada instituição de vantagens (gratificações) de toda a ordem e aumento de seus percentuais sem a observância do disposto no art. 169 da Constituição Federal (existência da prévia dotação orçamentária e autorização específica na lei de Diretrizes Orçamentárias).
Ocorreu, ainda, na União, Estados e municípios, por variadas razões, o descumprimento contumaz das disposições constitucionais do art. 37, incisos XI e XII, quanto aos limites máximos de remuneração dos servidores públicos, e do parágrafo 1º do art. 3º quanto à isonomia salarial.
Isso explica, em parte, as dificuldades encontradas pelo projeto de reforma administrativa na Comissão de Constituição e Justiça e da Redação da Câmara Federal.
O problema grave, entretanto, é o espetacular aumento do déficit operacional dos Estados e municípios. Até agosto de 1995 o déficit primário foi da ordem de 0,4% do PIB que, acrescido das despesas de juro de 2,1% do PIB, produziu um déficit operacional da ordem de 2,5% do PIB.
O problema, portanto, está muito longe de concentrar-se apenas nas despesas de pessoal. Ele é, também, consequência das extravagâncias da política monetária e seus juros absurdos. Em seu conjunto, os primeiros números das finanças públicas até agosto de 1995 revelam um pequeno desastre.
Passamos de um superávit operacional total de 1,79% do PIB no primeiro semestre de 1994 para um déficit operacional total de 3,3% do PIB em 1995, com uma inversão da ordem de 5% do PIB, apesar de os salários federais terem sido defasados em um mês.
Aprovada a lei complementar que limita a 60% da receita as despesas de pessoal, falta agora um dispositivo mais eficaz para o controle do endividamento. O estabelecido pela Constituição no seu art. 52, item VII, dispõe que compete privativamente ao Senado Federal fixar os limites do endividamento.
Como não há um critério objetivo, estabeleceu-se um amplo "log-rolling" (uma forma elegante do "troca-troca") no Senado, que levou à insolvência os Estados. É ele, portanto, que deve resolver o problema.

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