São Paulo, sexta-feira, 27 de outubro de 1995
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Paz na terra

JOSÉ SARNEY

É muito velho o sonho da paz. Muitos idealistas, santos e possuídos da ira santa da concórdia entre os homens foram militantes dessa causa.
Lembremos Bertrand Russel nos termos modernos, e não é demais recordar que Kant, cujos livros são de leitura especializada para iniciados e filósofos, escreveu um livro que tentou ser um livro "popular", de linguagem acessível a todos, livro que seria um panfleto -"A paz perpétua"- no qual ele oferecia uma fórmula para chegarmos a esse paraíso.
Nem a fórmula funcionou nem o livro foi popular. Ficou mesmo adstrito aos iluminados.
A história contemporânea mostra uma tentativa objetiva de construção da paz com a concepção de Woodrow Wilson, quando pensou na Liga das Nações, em 1914, organismo este que morreu e constituiu-se em uma grande frustração. O que se viu foi a tragédia vivida pela humanidade, anos depois, com a Segunda Guerra Mundial.
Antes desta terminar já os líderes mundiais estavam preocupados com o pós-guerra e a construção de condições de paz para a humanidade. Roosevelt estava à frente.
É dele o famoso diálogo com Churchill, que lhe perguntou: "Como estabelecermos a paz no mundo?" E Churchill mesmo respondeu: "Com o tratado e união anglo-americanos". Roosevelt falou: "Não. É com o combate às injustiças, à fome, à miséria e à construção de um mundo mais justo".
Aí estava diferenciada a criação da Organização das Nações Unidas em relação à Liga das Nações. Esta deseja somente conter as guerras, através de alianças, sistemas de forças etc., o que bem expressava o pensamento do premier britânico. A ONU não.
Em S. Francisco, há 50 anos, quando sua carta foi assinada, ela não se restringia aos objetivos da ausência de guerra, mas da construção de uma outra paz, a paz social, a melhoria da qualidade de vida de todos os homens.
A ONU foi acusada muitas vezes de inutilidade e fracasso. Teve períodos de glória e decadência. Mas foi o organismo multilateral mais eficiente na história da humanidade.
Ela tem como troféu ter conseguido 50 anos de paz, evitando conflitos em escala mundial. Teve de lidar com conflitos regionais e localizados, mas evitou a guerra nuclear, que seria a destruição da vida. Foi o fórum onde os conflitos se diluíram no confronto das idéias.
A seu favor está o processo de descolonização, do combate à segregação racial, dos direitos da mulher, do desarmamento, da distensão e, finalmente, a definitiva consolidação de um órgão onde o mundo pode pensar seus problemas. Ela não tem a força das armas, mas tem a força moral que está incorporada à sua história.
O âmago da ONU em sua carta está na Declaração dos Direitos Humanos. Esse texto condensa toda a aspiração da humanidade. O respeito aos direitos individuais e a tarefa de todos zelarmos por eles. A ONU assim, ao contrário da Liga das Nações, não considera paz a ausência de guerra.
A paz no mundo será alcançada quando acabar a guerra contra a pobreza, contra a fome, contra a miséria, contra toda e qualquer forma de discriminação. Quando houver paz para o mundo dos pobres, esse mundo em que falta tudo, até a esperança.
Conversando com Deng Xiao Ping, perguntei-lhe como via o futuro da humanidade. Respondeu-me: "Pela primeira vez vejo um longo período de paz". Que seja verdadeira sua profecia, o desejo milenar dos cristãos: "Paz na terra". Que a ONU seja guardiã desse sonho.

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