São Paulo, domingo, 29 de outubro de 1995
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Modernização esbarra em baixa escolaridade e atraso profissional

CARLOS ALBERTO SARDENBERG

CARLOS ALBERTO SARDENBERG; VIVALDO DE SOUSA; HELCIO ZOLINI
DA REPORTAGEM LOCAL

VIVALDO DE SOUSA
Mais de 50% dos trabalhadores brasileiros são analfabetos se for considerado o atual padrão mundial de alfabetização: a capacidade de ler e interpretar um manual de instruções. Está aí, na educação precária, um dos principais obstáculos à entrada do país em um novo ciclo de desenvolvimento.
Essa é uma conclusão unânime entre os especialistas nas questões do emprego. Em ambiente de alta tecnologia, desaparecem aquelas funções repetitivas para as quais é fácil treinar alguém. Essas funções -apertar parafusos ou aplicar pontos de solda- passam a ser feitas por máquinas e robôs.
A população mundial de robôs já se aproxima dos 2 milhões -e, como nota o economista José Pastore, da Universidade de São Paulo, robôs não faltam, não fazem greve, não têm filhos e não vão ao banheiro.
Máquinas e robôs desempregam pessoas e exigem um novo tipo de força de trabalho. O trabalhador do futuro próximo precisará saber sua língua, comunicar-se bem verbalmente e por escrito, conhecer matemática e ter conhecimentos gerais. Trata-se não mais de ter um ofício, mas base para tomar decisões, adaptar-se a novas situações e aprender o tempo todo.
E nisso o Brasil está muito atrasado. O trabalhador brasileiro tem, em média, três anos e meio de escola. Nos países desenvolvidos e emergentes a média é de dez anos. Na Tailândia, mercado emergente, alunos de primeiro grau têm 240 dias de aula, oito horas de segunda a sexta e quatro no sábado. Aqui, nas escolas públicas de primeiro grau, o ano letivo é de 180 dias.
O problema, nota outro especialista, o professor Hélio Zylbertajn, da Universidade de São Paulo, é que se leva uma geração inteira para universalizar a educação.
O esforço brasileiro precisaria ser em dois sentidos, diz Zylberstajn: melhorar a escola básica para as crianças e prover educação para os atuais trabalhadores.
Os empregos do futuro, diz ele, serão cada vez menos estáveis: "O sujeito vai ter que mudar frequentemente de função ou empresa, e terá de ser mais versátil".
A história recente da Volkswagen brasileira é um espelho dessa realidade. Há dez anos, a Volks produzia mil carros por dia, com 44 mil trabalhadores. Hoje, produz 1.300 carros e o número de trabalhadores caiu pela metade, 22 mil.
Ainda assim, cada empregado produz 20 carros por ano. Nos países desenvolvidos, essa marca é de 30 a 40 carros.
A empresa tem hoje 100 robôs na sua fábrica de São Bernardo do Campo. Há dez anos, não tinha nenhum.
Toda essa mudança exige esforço de qualificação da mão-de-obra. Hoje, a empresa só contrata pessoas que tenham pelo menos o primeiro grau completo. Para os empregados antigos, oferece escola de primeiro grau, instalada dentro da fábrica.
Caso semelhante ocorre na Fiat, que implantou em Betim, Região Metropolitana de Belo Horizonte (MG), sua escola de formação profissional.
"Quando chegamos aqui em 1973, ainda não havia uma cultura industrial voltada para o setor automobilístico. Isso nos forçou a promover treinamentos intensivos. Até 1976, levávamos o pessoal recrutado para treinar e fazer estágios nas fábricas pertencentes ao grupo na Itália e na Argentina", diz o gerente de desenvolvimento organizacional da empresa, Stefano Rastrelli.
A partir da criação da sua escola, a empresa passou a formar e reciclar ali quase todo seu contingente de pessoal.
"O primeiro robô foi levado para a escola. Foi lá que os funcionários aprenderam como lidar com ele na produção", conta Rastrelli.
Esse tipo de situação, segundo ele, não acontece nas escolas técnicas convencionais. "A maior parte delas está defasada no tempo e não consegue acompanhar o ritmo das mudanças", diz.
Cerca de 85% dos 18 mil empregados contratados pela montadora foram formados pela empresa. Desde que foi criado, o centro de formação da Fiat ofereceu 982 cursos para 14.507 funcionários. O total de horas/homem de treinamento atingiu 3,9 milhões.
Pesquisa concluída em 1994 pelo IMAM Treinamento e Consultoria mostra que 16% das empresas com grande faturamento dedicavam mais de 60 horas ao ano com treinamento por empregado. Isso corresponde a 4% das horas de trabalho, índice ainda muito abaixo dos 10% que se tem no Japão, um modelo internacional.
Dados preliminares da mais recente pesquisa do IMAM mostra que as indústrias alimentícias estão investindo 1,39% do seu faturamento em educação, cursos treinamento de seus funcionários.
O setor de embalagens está investindo 1% do faturamento. Os investimentos do setor têxtil estão em 0,79% e os das telecomunicações em 0,8% do faturamento.

Colaborou HELCIO ZOLINI, da Agência Folha, em Belo Horizonte.

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