São Paulo, domingo, 29 de outubro de 1995
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As sombras de um bom acordo

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - Já se fizeram todos os merecidos elogios ao acordo entre a Ford e os metalúrgicos do ABC graças ao qual se evitam demissões por meio da flexibilização da jornada de trabalho.
Os mais ufanistas poderiam até dizer que, mais uma vez, a Europa se curva diante do Brasil. Afinal, a Volks alemã foi pioneira nesse tipo de acordo, mas à redução das horas de trabalho correspondeu redução equivalente nos salários. No Brasil, não.
Justos festejos à parte, há um lado sombrio não no acordo em si, mas nas circunstâncias que a ele deram origem.
Fica, por exemplo, a definitiva constatação, se ainda fosse necessário, de que o crescimento econômico, por maior que seja, não é suficiente para fazer aumentar o emprego.
A indústria automobilística, de 1990 para cá, aumentou sua produção 57%, mas o emprego, no mesmo período, em vez de crescer, encolheu (7,3%), conforme dados reproduzidos pelo jornal "Gazeta Mercantil".
A menos que se imagine uma súbita brecada no desenvolvimento tecnológico (fonte maior do corte de postos de trabalho), o lógico é supor que a indústria automobilística vai doravante apenas manter o seu quadro de trabalhadores ou, na melhor das hipóteses, ampliá-lo muito pouco.
Ou seja, acordos como o do ABC salvam empregos no presente (o que já é ótimo), mas não impedem que o problema do desemprego se instale no futuro mesmo no setor automobilístico e ainda que não haja recessão.
Essa área industrial foi uma poderosa matriz de empregos. Não é mais. Nem é razoável imaginar-se que outros setores industriais possam exercer o papel de grandes absorvedores de mão-de-obra.
O Brasil já não escapa de um dado da realidade muito presente nos maiores países industrializados: a indústria deixou de ser um grande empregador.
Como a agricultura já faz muito mais tempo que parou de absorver mão-de-obra, restam os serviços como fonte de emprego. A questão é saber se se aplica ou não ao setor de serviços a flexibilização que salvou da guilhotina muitos pescoços no ABC.

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